O último trem.
Vou partir pra não voltar
Levando no meu bornal
Farinha pra alimentar
Uma folha de jornal
Pra nela eu me deitar
E seguir para o final.
O meu trem já vai partir
Leva nele a esperança
De alguém que ao sorrir
Demonstrou a confiança
E não tendo aonde ir
Guardou sua ignorância.
Dos seus trilhos paralelos
Fez estradas prometidas
Mas deixou no seu cancelo
O andar de muitas vidas
No pó do chão amarelo
Deixou marca das partidas.
Muitas vezes apitou
Pra chegar à estação
Onde alguém embarcou
Sem destino e sem razão
Era apenas quem sonhou
Que a viagem é união.
Esqueceu que a solidão
Também embarca no trem
Ela encontra a ingratidão
Que ao seu encontro vem
Cada uma dá a mão
Ao futuro que não tem.
Quando o trem der a partida
Nada mais me restará
Não terei minha comida
Ninguém me contratará
Ninguém mais fará corrida
Carroceiro acabará.
Vai chegar o caminhão
Para transportar a carga
Acaba com a tradição
Trará só lembrança amarga
Trará a desilusão
Pra quem vive da descarga.
Nunca mais verei o trem
Dando apitos pra sair
Nunca mais verei quem vem
Não verei quem vai partir
Numa plataforma sem
Pessoas sempre a sorrir.
Vou entrar em um vagão
Esperar pela partida
Não existe contramão
Nessa estrada da vida
Cada um tem o quinhão
Da saudade repartida.
Levo meus sonhos desfeitos
Minhas dores, meus fracassos,
Meus projetos, meus defeitos,
Minhas dores, meus abraços
Meus prazeres, meus deleites
Os tropeços nos meus passos.
O meu trem deu a partida
A ninguém vai esperar
É o fim da despedida
Hora de alguém chorar
Cada um segue na vida
Que escolheu para lutar.
O trem leva uma saudade
Leva quem vai viajar
Leva muita ansiedade
De quem não pode esperar
Leva a felicidade
Da noiva que vai casar.
Leva a sabedoria
Do porteiro da estação
Leva toda a fantasia
De quem guarda a ilusão
De que o trem chegaria
Trazendo um novo barão.
Mas nos trilhos traz somente
Alguém que vai arrancar
Os sonhos de muita gente
Que teimava em esperar
O apito da serpente
Que chegava devagar.
Agora não há dormente
Não há trilhos de reserva
Não há encomenda urgente
Nem passagem de reserva
Não há mais som estridente
Dos motores de reserva.
Só restou muita pobreza
Em nome do que é urgente
Disfarçaram côa a beleza
O progresso inclemente
Deixando uma certeza
Vive o trem no inconsciente.