A memória do tempo.

Mesmo sendo emudecido

Pela força do Poder

Com o corpo ressequido

Sem ter água pra beber

Só falei o ocorrido

Apesar de dor sofrer.

Eu fiquei amordaçado

Numa cela sempre escura

Tive os olhos vendados

E sofri ofensas duras

Mesmo assim fiquei calado

Não menti na chefatura.

Eu sabia muito mais

Mas devia ficar quieto

Hoje a memória traz

Que servi de objeto

De um bruto e incapaz

Que prendia o desafeto.

Foi um tempo de dureza

Muitas mortes planejadas

Feitas na maior frieza

Por pessoas contratadas

Que por causa da torpeza

Só andavam mascaradas.

Se pudessem delatar

Não pensavam duas vezes

Tentavam sempre alegar

Que investigaram meses

Na verdade era matar

Para agradar fregueses.

Foram os anos de chumbo

Numa cortina de ferro

Se ouvia o som do bumbo

Eram corpos sob a terra

E o inimigo imundo

Era cortado na serra.

Se alguém pisava torto

Era escória social

Levado pro cais do porto

Ou então pro matagal

Dali só saía morto

Era o juízo final.

Se alguém desse um gemido

Logo o guarda aparecia

Dizia para o detido

Você tem só mais um dia

Depois que tiver morrido

Nunca mais dor sentiria.

Eram muitos desalmados

Todos muito violentos

Comumente embriagados

Cabos, soldados e sargentos

Em geral muito assustados

Com os rostos macilentos.

Nunca olhavam para o sol

Tinham medo de altura

A lanterna era o farol

Para andar na casa escura

Colocavam no formol

Os corpos das criaturas.

Repetiam toda hora

O hino de uma nação

E também de hora em hora

Contavam a população

Quem morria ia embora

Pro forno de cremação.

O doente era tratado

Com ferro quente e veneno

Tinham o corpo marcado

Era posto no sereno

E depois era obrigado

A comer somente feno.

Isso tudo eu assisti

E ficava imaginando

Se puder sair daqui

Vou depressa caminhando

Em busca do que perdi

Mas está me esperando.

Eu vou levar para ela

Uma flor de sempre viva

É uma flor amarela

Que o tempo mantém viva

Sei que é pouco pra ela

Mas é a que ficou viva.

Vou dizer que sou feliz

Esquecer o que passei

Sei que mal eu nunca fiz

Meu algoz eu perdoei

Tudo que eu sempre quis

Eu sei que já conquistei.

Conquistei minha família

E voltei para o meu lar

Abracei a minha filha

Que queria se casar

Conquistei a maravilha

De ouvir o galo cantar.

Vou deixar o meu recado

Para quem fez tanto mal

Você está perdoado

Pense que foi casual

O que fez está gravado

Na memória universal.

Renato Lima
Enviado por Renato Lima em 07/02/2016
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