Meu primeiro grito
Soltei meu primeiro grito
Sem saber o que era dor
Foi um grito de um aflito
Que chegava em desfavor
Vim com o destino escrito
Para ser batalhador.
Minha mãe se aborreceu
Pelo filho que chegou
O meu pai adormeceu
Sequer para mim olhou
A parteira me bateu
Rindo diz: choramingou.
Minha casa era um barraco
Paredes de pau a pique
Madeirame muito fraco
Portas feitas com tabique
Minhas fraldas eram de saco
Assim mesmo eu era chique.
O meu pai tinha um cavalo
Minha mãe tecia renda
No terreiro havia um galo
Preparado para venda
Na família eu era um calo
Só ganhava reprimenda.
Ninguém fez a encomenda
Daquele filho manhoso
Não servia para prenda
Era coisa do Tinhoso
Minha mãe me pôs à venda
Por meu pai estar nervoso.
Ninguém quis adquirir
Um menino assim tão feio
Que ninguém via sorrir
Era magro e sem asseio
Melhor seria eu sumir
Mas eu não sabia o meio.
Um dia eu fui caminhando
Sem destino ou direção
Ouvi alguém me chamando
E me estendendo a mão
Ela veio aproximando
Disse ser a solidão.
Perguntou quem era eu
Respondi: eu sou ninguém
O que eu era se perdeu
Não servia para alguém
O que tenho é o meu eu
Que não vale um só vintém.
Aquela moça bonita
Disse adeus e foi embora
Eu segui minha desdita
Caminhando mundo afora
Sem saber que a dor bendita
Avisa quando é a hora.
Devagar me aconcheguei
Na sombra de um salgueiro
Pouco a pouco eu me lembrei
Do sonhado amor primeiro
Nessa hora eu levantei
Quis vê-la de corpo inteiro.
Caminhei de volta ao lar
Lamentando o meu fracasso
Quando ousei me aproximar
Alguém me estendeu o braço
E sorrindo a me olhar
Disse: eu preciso de um abraço.
Era o meu amor primeiro
Que eu sonhava todo dia
O seu pai tinha dinheiro
Namorar não permitia
Ele estava hospitaleiro
E pra mim também sorria.
Ao vê-la pra mim sorrindo
O meu mundo se abriu
Vi o meu céu colorindo
No mais lindo azul anil
Vi o seu olhar se abrindo
Que entretanto não me viu.
Eu fiquei ali parado
Sem saber o que fazer
O meu peito atravessado
Por um longo padecer
Olhava o meu ser amado
Que jamais ia me ver.
Foi tão forte o sentimento
De amor que eu nutria
Que aceitei o sofrimento
De casar naquele dia
Nesse meu envolvimento
Era ela o que eu queria.
O seu pai me perguntou
Aonde eu teria andado
Por mim ele procurou
Para me dar um recado
Sua filha sempre amou
Um rapaz menosprezado.
Disse que a sua filha
Conhecia a minha história
E que o seu rosto brilha
Quando fala na vitória
Que presenciou na ilha
Que ela guarda na memória.
Eu falei: lutei por ela
A vitória não foi minha
A vitória foi daquela
Moça que eu vi sozinha
O meu coração é dela
Desde bem pequenininha.
Vou casar, mas por amor,
Não vou repetir fracasso
Vou leva-la aonde for
Pouco importa algum cansaço
Vou lhe dar o meu calor
Aquecê-la em meus braços.
A ela eu presenteei
Com um olho sem o véu
E com ela caminhei
Sem jamais andar ao léu
A mulher com quem casei
Fez-me ver que existe céu.