Festa na roça

Desejei falar de festa

Mas confesso ser difícil

Minha pretensão é esta

Por ser parte do oficio

É um pouco do que resta

Para eu curar um vício.

Esse vício que carrego

Faz de mim um pensador

Que não é surdo e nem cego

Mas que sente alguma dor

Nas letras ainda escorrego

Quando vou falar de amor.

Dessa festa que eu falo

Que na roça aconteceu

Tinha churrasco de galo

Que um pobre ofereceu

Tinha muito café ralo

Pois a água não ferveu.

Tinha broa de fubá

Adoçada com melado

Um tacho com vatapá

Quente e apimentado

Um cesto de biribá

Pronto pra ser leiloado.

Tinha um tacho com canjica

Cozida em leite e coco

Tinha cachaça da bica

Guardada num tronco oco

E alguma moça rica

Sendo disputada a soco.

Sempre há muita polenta

Frita no azeite doce

Na fogueira que esquenta

Se assa a batata doce

E pra casa da parenta

Leva-se a quitanda doce.

Para os homens há quentão

Pras mulheres, rabanada,

Pras crianças a tentação

Querem tudo e comem nada

Para as velhas a oração

É refúgio em madrugada.

Quase sempre há pamonha

No lanche que é servido

Velho come com vergonha

Mostra o seu olhar perdido

Com a liberdade sonha

Mas vai ser repreendido.

Há carrinho de pipoca

De sal e pipoca doce

Um prato de tapioca

Refresco com pouco doce

Sanfona que ninguém toca

E também algodão doce.

Sempre há linguiça frita

Pra servir de tira gosto

Alguma moça que grita

Para o seu próprio desgosto

Diz que tudo a ela irrita

O que quer mesmo é encosto.

Há um pouco de chouriço

Que alguém mandou guardar

Assumiu o compromisso

De na festa ele ajudar

Ganha pouco no serviço

E tem pouco pra doar.

Sempre há competição

Pra subir no pau de sebo

Pode haver compensação

No dinheiro que recebo

Gasto tudo com sabão

A mulher diz que eu bebo.

O patrão manda dizer

Que um bezerro vai doar

Pro santo fazer chover

E a lavoura se salvar

Mas se isso acontecer

Ele esquece de pagar.

Se alguém o recordar

Da promessa que ele fez

Ele diz que vai pagar

Tudo na primeira vez

Um frango vai colocar

Sobre as costas de uma rês.

Mas só faz venda casada

Vende o boi por dez reais

Para ele é quase nada

Mas o frango, mil reais,

Quando a missa é celebrada

Ele doa os dez reais.

Mostra assim pra todo mundo

Que pagou sua promessa

E depois respira fundo

Finge que está com pressa

Vai voltar para o seu mundo

Onde a paz pouco interessa.

No seu mundo ele apregoa

Que é rico por trabalho

Entretanto fala loa

Nada fala do baralho

Sabe que a vida voa

Mas esconde o seu ordálio.

Renato Lima
Enviado por Renato Lima em 20/07/2014
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