OCUPA NISE EM CORDEL
Este cordel é o relato de uma vivencia no instituto Nise da Silveira, antigo Hospital Pesquiatrico Pedro II no Rio de Janeiro, onde um grupo de artistas de varios estados do BRasil passaram de 09 a 31 de julho de 2012 convivendo com os internos daquele Hospicio. Essa experiencia gerou um grande numero de artigos, textos musicas e expetaculo seno poetico dentre esses este humilde cordel.
1
Não sou poeta famoso
Mas gosto de escrever
Faço verso de improviso
Para quem desejar ler
Pra fixar na memória
Gosto de contar historia
Que faça o povo entender
2
Sai lá do Ceará
Para o rio de janeiro
Onde pude me encontrar
Com diversos companheiros
Num encontro fabuloso
Um projeto audacioso
De um médico tão guerreiro
3
Ele costuma dizer:
“somos todos alquimistas
Transformamos chumbo em ouro
Esse é o papel do artista
Mudar a realidade
Sair da mediocridade
Passar a vida em revista.
4
Eu vou começar falando
Na reforma da estrutura
No hospital psiquiátrico
Um prédio da prefeitura
Uma ala foi ocupada
E por ele transformada
No belo hotel da loucura
5
Ainda dava pra notar
As marcas de sofrimento
Grades postas nas janelas
Portas de ferro por dentro
Mas com garra e ousadia
O que era enfermaria
Passou a ser aposento
6
Aos poucos veio chegando
gente de todo lugar
Do estado de são Paulo
De Sergipe e Ceará
E de muito mais alem
Veio gente de Belém
Do estado do Pará
7
Fez muito frio à noite
Mas ao raiar do novo dia
Todo mundo levantou
Com enorme euforia
Fazendo grande festança
Muitos caíram na dança
Foi uma só alegria
8
Nossa primeira assembleia
Foi de forma sem igual
Artistase cuidadores
E clientes do hospital
Todos fomos nos unindo
E aos poucos construindo
Afeto incondicional
9
Essa nova experiência
Marcou-me profundamente
Entre os participantes
Ninguém era diferente
Do poeta ao cientista
Do maluco ao artista
Seres humanos – somente
10
Todos tinham voz e vez
Falava o que bem queria
Cada um se declarava
Do jeito que mais sabia
Um cantava outro dançava
Ou simplesmente gritava
Extravazando alegria
11
O gostoso desse encontro
Foi a nossa convivência
A mistura de costumes
Cultura, arte e ciência.
Cada um com alegria
Partilhando o que sabia
Trocando experiência
12
Essa é a grande marca
Da educação popular
Essa troca de saberes
Esse jeito de animar
Não dando nada prontinho
Mas mostrando que o caminho
Será feito ao caminhar
13
E para o dia seguinte
Um pouco improvisado
Sem muita programação
Sem ter nada preparado
Para nos energizar
Podemos participar
Do corredor do cuidado
14
O corredor do cuidado
Comoveu a muita gente
Para alguns aquela pratica
Era algo diferente
Essa forma de energia
Muitos deles nem sabia
Que imanava da gente
15
Na visita ao museu
De imagens do inconsciente
Podemos observar
Um acervo mui potente
De telas e esculturas
Porque mesmo na loucura
O ser humano é inteligente
16
Podemos também notar
Presente a cada momento
Impresso através da tela
Resquícios de sofrimento
E quem apura o olhar
Também pode observar
A riqueza de sentimento
17
O decorrer da semana
Foi de festa e brincadeira
Oficina de teatro
Um cortejo para a feira
Mas além de oficina
Ouve até festa junina
Mesmo sem termos fogueira
18
Muitos vem nos visitar
E ficam emocionados
Ao ver todo mundo alegre
Cantando muito animado
Não basta se emocionar
Precisam colaborar
Pra manter o resultado
19
Afetos é o que não falta
Entre essa gente sofrida
Marcada pela tragédia
Com sua alma ferida
Que com o seu sofrimento
Nos diz a todo o momento
Cuidemos melhor da vida
20
Toda essa experiência
Muito nos tem ensinado
O nosso jeito de agir
Precisa ser transformado
Não basta sair na fita
Essa gente necessita
De atenção e cuidado
21
Nós precisamos fazer
Uma boa reflexão
Em que foi que melhoramos
Com essa grande ação
O que mais vamos fazer
Pra que possam perceber
Que ouve transformação.
22
Dos clientes do instituto
Quero falar nesses versos
Começando por GADU
Grande arquiteto do universo
Poeta e bom cantor
Que a todos conquistou
E entre nós foi sucesso
23
Pra falar de REGINALDO
Quem quiser que se habilite
Nele estão três pessoas
Éum caso sem limite
Não dá para acreditar
Em um só dia ele é NANÁ
É REGINALDO ou JUDITE
24
ROGERIA me impressionou
Com seu jeito de cantar
Sua voz rouca e cansada
Mas sabe interpretar
Com o talento que tem
Ela canta muito bem
Pra todos admirar.
25
ROGERINHO sempre alegre
Não para de agradecer
Quando o pega o microfone
Grita com todo prazer:
“obrigado e Evoé”
Os outros ficam de pé
E começam a responder.
26
Prafalar de PELEZINHO
Preciso ser mais direto
Quando é elogiado
O seu ego vai ao teto
Pra compor e pra cantar
Dar embaixada e dançar
Diz-se o artista completo
27
São tantas pessoas belas
Que vou levar na memoria
IDEMILTON, ROQUE, JORGE
Cada um com sua historia
RITA, PATRICIA E PRICILA.
e outras que aumentam a fila
De tristeza e luta inglória
28
Já diz um velho ditado
Que de artista e louco
De medico e advogado
Todos nós temos um pouco
Ser louco não é defeito
Doido mesmo é o preconceito
Que mata só no sufoco.
29
Os nossos princípios são
luz e sabedoria
o autoconhecimento
resistir a cada dia
incompletude e incerteza
é a nossa fortaleza
que mantêm viva a utopia
30
Presente a cada instante
pra nossa motivação
o gozo e os afetos
o amor e a emoção
espanto e felicidade
e a dura realidade
que nos motiva a ação
31
Mergulhar nos desafios
Partilhar compartilhando
Gerar nova consciência
Experenciar cuidando
Fazer novas descobertas
Animado sempre alerta
E prosseguir recriando
32
Cada dia uma novidade
Cada hora uma surpresa
Cada gesto de carinho
Mostrando-nos a certeza
Estamos no rumo certo
Pra tornar esse deserto
Num grande mar de beleza
33
Mas é preciso cuidado
Pra não cair na ilusão
De achar que tudo é fácil
Que basta um toque de mão
É bom a gente sonhar
Melhor ainda é acordar
Com os pés firmes no chão
34
Porque existem pessoas
Que pensam bem diferente
Que poesia não é remédio,
Que arte não cura a gente,
Quem tem problema mental
deve está no hospital
amarrado por corrente.
35
Onde está o ser humano
Que humano ser somos nós
Que não cuidamos do outro
Que não ouvimos sua voz
Quanta miséria se ver
Pra não se comprometer
Partimos muito veloz.
36
Me disse um velho Sábio
Ninguém se liberta só
Uma rede se constrói
Amarrando nó com nó
Por isso demo nos as mãos
Pois só com a nossa união
A vida fica melhor.
Edson Oliveira
Cordelista e educador popular das Cirandas da vida - estratergia de educação popular em saúde da SMS- Fortaleza