A Egrégia Academia de Letras de Fortunato Quaresma

A Egrégia Academia de Letras de Fortunato Quaresma

Criamos, prá encômio geral da nação, uma academia, de portas largas, discretas, para abrigar em seu bojo, sem qualquer vestígio de nojo, a todo bichinho de pena que sonha em ser escritor, comendador ou poeta.

Era tanta gente pedindo prá a academia surgir que o parto foi feita às pressas: um fórceps trouxe ao lume, tresandando intenso perfume, a Egrégia Academia de Letras, fundada em Fortunato Quaresma.

Lá, nessa academia reinosa, não se faz qualquer negaceio: o homem, ou mesmo a mulher, pode ser esmilinguido, ou então escarrado de feio: é aceito de imediato: não se lhe faz jaça ou desfeita.

O candidato a acadêmico pode fazer de um tudo. Teve até um cara trombudo que lá foi aceito, apenas por ter cometido, a proeza de um dia sentado pelado na praia, ter criado um “O” tão bem feito, que o dito está lá até hoje servindo de morada prá lesma.

Aqui, nesse lugar dadivoso, não se veta plágio nenhum: se não tem merda prá escrever das suas, pode pegar a merda de qualquer um – em Fortunato Quaresma tem tanta merda escrita boiando que isso se tornou fato comum, corriqueiro.

Entre os nossos egrégios acadêmicos temos títulos dos mais brilhantes, de gosto mui requintados: Temos Fada da Meia-Noite, do Dia e da Tarde também – isso no campo das fêmeas, que o dos machos mais tarde vem.

Esses títulos lindos, formosos, que nossas acadêmicas ostentam, escondem, a bem da verdade, o oposto do que aparentam – por detrás de uma Princesa Dourada se esconde uma sapa mal-ajambrada, uma gorda desconjuntada a bordo de um celulitoso traseiro.

Por mais que avisos se façam tem gente que cai na mutreta: no cartório de Fortunato Quaresma foi averbado o divórcio de uma tal Raio de Sol (Na verdade, Vampira da Noite.) com um certo Mané Perneta, que não quis saber de porém.

Perneta e Raio de Sol, uma dupla das mais inspiradas, ambos acadêmicos ilustres, portadores de inúmeras comendas: em versos um prometia a Lua; achando que isso era pouco, em prosa, a outra o Universo trazia.

O namoro rendeu manchetes: Fortunato Quaresma em peso torcendo. Eram versos candentes daqui prá lá; de lá prá cá prosa em larva fervente – Mané Perneta se afogando em paixão, Raio de Sol em amores morrendo.

Esse estrondoso namoro teve lances dignos de nota: Mané colocou em página na net uma frase dizendo assim: “Cuidado ao dizer que me ama! Pois te cobrarei, gota a gota, o amor que dizes sentir por mim.” Assim falou Mané Perneta, autor de poemas e poesias.

A academia de Fortunato Quaresma vibrou com tamanha emoção:;Raio tremeu nas calcinhas: em sua vida tão longa jamais lera algo tão profundo. Escreveu em réplica a Perneta uma prosa prenhe de amor, as papadas do queixo tremendo.

Enfim chegou o grande dia: morando em lugares distantes, os nossos egrégios amantes, prá supremo gáudio da Academia, por procuração se casaram. O mal já estava feito já que os dois acadêmicos nunca haviam se visto – o engano só foi desfeito quando Perneta e Raio se encontraram.

Era uma noite chuvosa: no melhor hotel de Fortunato Quaresma, Raio por Perneta esperava. Já há muitos anos na seca se pusera toda sapeca prá esperar seu amado querido. Perneta veio de fraque: ansiando saciar em Raio todo seu longo jejum.

Claro que a Academia patrocinou o enlace: afinal não são todos os dias que algo assim se sucede. Com pompa e circunstância, o leito todo arrumado, flores por todos os cantos esperavam os dois acadêmicos enamorados sem exclusão de luxo nenhum.

Raio chegou primeiro e se abancou na alcova: vinha vestida de noiva inviolada e pura; por baixo de um milhão de grinaldas escondia sua má catadura. Raio, por demais previdente, apagou as luzes do quarto, assim que no corredor os passos de Perneta soaram.

Mané Perneta, ao invés de um rosto risonho, era portador de um esgar tão medonho que fazia sucuri abortar. De Raio nós já falamos: feiúra maior não existia – melhor é não comentar. Mané gostou do escuro; entrou no quarto de núpcias pisando pé-ante-pé...

Sem sequer olhar para os lados atirou-se com fome tamanha em cima daquele corpo estendido. Raio, pensando com seus botões, disse de si para si, mordendo Mané Perneta com os dois únicos dentes da frente: “O jogo agora é comigo.”

Aí aconteceu o acidente: as núpcias foram por terra. Os nossos egrégios enamorados, já despidos, engalfinhados, tropeçaram no interruptor de luz. Raio vendo em cima de si aquele estrupício horroroso, clamou: “Socorro Jesus!” Mané, por sua parte, quase sofreu um infarto, sentindo o iminente perigo.

Passaram-se muitos dias, e em Fortunato Quaresma, ninguém sabe o que aconteceu; comenta-se a boca pequena que naquela noite em apreço, ocorreu uma inusitada cena: um casal de ogros correndo, um ao contrário do outro, em busca da capoeira – Raio sem olhar para trás; Mané com a muleta de ré.

Apesar desse, e de outros percalços, nossa academia não cessa de novos membros agregar: poetas assim nascem em pencas, é saúva a se multiplicar; nossa academia famosa parece mãe generosa – tem sempre um lugar reservado.

Aqui em Fortunato Quaresma, em nossa egrégia academia, prá receber seu laurel, seu título juramentado, não se requer prática, nem tão pouco habilidade; basta, para avença, se dizer escritor ou poeta, mesmo que isso passe longe da verdade.

Venha prá cá meu rapaz. Moça, não passe vontade; em Fortunato Quaresma daremos asas a sua vaidade: por uns versinhos minúsculos ou uma prosa sem sal – uma comenda maiúscula com que te sintas o máximo, um legítimo maioral, um marco para a posteridade.

Não se acanhe por nada. Nem mesmo por aquele texto sem nexo que em noite de bebedeira, teu bestunto haja cometido; pois, como foi dito alhures, até aquele “Ó’ que um dia fizeste na areia, sentado e desprevenido, na Egrégia Academia de Letras de Fortunato Quaresma, corre o risco de ser premiado.

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Terras de São Paulo, manhã de Sexta-Feira, Lua Crescente do mês de Agosto de 2011.

João Bosco

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 05/08/2011
Reeditado em 05/08/2011
Código do texto: T3141047
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