A Mulher que botou chifre no Cão
Santo Agostinho, me dê
O saber e a instrução
Pra versar com alegria
Essa mais nova missão
Um cordel pra quem quiser
Acerca de uma mulher
Que botou chifre no Cão!
No plano da Terra havia
Um casal arreliado
Que todo dia brigava
Com chicote ou com machado
De tanta prosa rinhenta
Que nem burro nem jumenta
Aguentavam seu truncado.
Ela se chamava Zefa,
Mulher baixinha e teimosa,
De buço na venta e feia,
Uma bruaca maldosa.
Perto de uma cascavel
Era bem mais venenosa
Ele se chamava Biu
O seu Biu do ôi de chola.
Nanico e feio c’a peste,
Um macaco de ceroula
Mais frouxo que prega lisa
Mais choroso que cebola
Aconteceu que num dia
O casal brigou de mermo
Foram bofetes e tapas
- Não houve nenhum bom termo!
Que Zefa ficou mordida
Deixando o dia no ermo.
Sinhô Biu do ôi de chola,
Bebo que nem ua cachorra,
Chegou tombando dos quarto
Falando caralho e porra,
Peitou a mulé com raiva
E disse: - Quero que morra!
Zefa arregalou os olhos
Queimando qual fosse brasa
E com ua peixeira crua
De cortar costela e asa
Olhou pra Biu com mais ódio
Dando uma furada rasa!
Biu do ôi de chola foi
Murchando que nem bexiga
Uma sangria danada
Sujava parede e viga
Que ligeiro o pobre Biu
Encontrou a mão amiga.
O corpo morreu, a alma
Pro Firmamento subiu.
Esse crime passional
Na vila se discutiu:
Por que Zefa da peixeira
Matou seu marido Biu?
O porquê daquele crime
Foi um tal rabo de saia
Que seu Biu do ôi de chola
Quis logo brincar de laia
E plantou em dona Zefa
Um imenso par de gaia!
Zefa foi levada em cana
Já naquele mesmo dia
Sua fama se espalhou
Em mais de dez freguesia
E toda aquela conversa
Um ser tinhoso sabia!
O Diabo ouviu aquilo
E não se fez de rogado,
Sentiu que seu coração
Batia descompassado
E num pouco de juízo
Se viu todo apaixonado.
Então o Satanás disse
Para a Morte bem ligeiro:
- Caetana, minha menina,
Me faça favor brejeiro.
Vá na Terra nesse instante,
Pegar meu amor primeiro!
A Morte, toda de preto,
Subiu na Terra com foice.
Mirou Zefa da peixeira
E foi lhe dando logo um coice
Que a mulé caiu durinha
E pro tal inferno foi-se.
O Cão já tava nos trinque
Com paletó e gravata
Um juiz com doutorado
Já segurava uma ata
E um distinto deputado
Testemunhava com bata.
Porém Zefa da Peixeira
Danou-se a fazer muxoxo
O Cão virou um pintinho
Com os cambito já chocho
E pra convencer Zefinha
Disse: - Eu tenho aquilo roxo...
Zefinha se coçou toda;
Foi um calor de tremura
O Diabo bem fogoso
Subiu a magistratura
E acochou lá em Zefinha
Toda aquela diabrura!
E deu-se uma catinga
De couro frouxo queimando.
Era Zefa mais o Cão
Naquele ato nefando
Que o inferno nesse dia
Deu c’as brasa fumaçando!
Mas o coração de Zefa
Peiticou-se de verdade
Bem fosse mulé do Cão
Não mediu sua vaidade
E com o finado Biu,
Resolveu matar saudade!
Porém o finado Biu
No Céu tinha dormitório
Então Zefa o convidou
Para ir ao Purgatório
E com chamego da gota
Relembrou do seu casório.
Os dois juntinhos se deram
As mãos com muita afeição
Zefa pediu para Biu
Desculpas com coração
E em prova daquela sorte
Descontaram num oitão!
O Cão sentiu os seus chifre
Inchá que nem siriguela
E dez pontas se envergaram
Saindo pelas janela
E disse todo mordido:
- Eu mato aquela cadela!
O inferno pegou mais fogo
E numa só disparada
Um disse: - Satanás é
Um corno de alma penada.
Foi corno e o Gasparzinho,
Fantasminha camarada!
Mais tarde Zefa chegou,
O Diabo inda chorava.
E foi perguntando a ela
Por onde era que andava.
Zefa logo respondeu:
- Te dando uns chifre eu tava!
O Diabo se fez doido,
Quebrando tudo que tinha.
E foi reclamar a Deus
Daquela mulé daninha.
E Deus mandou São Miguel
Resolver a ladainha.
São Miguel chegou logo
Empunhando sua espada.
O Diabo quis divórcio
Por vida tão mal rumada.
Aquele tal casamento
Findou com data marcada.
O Arcanjo do Senhor deu
A saber da situação
E Zefa explicou tudinho
Também fez assim o Cão
Mas Zefa disse que o peste
Não cumpriu obrigação:
- Arcanjo São Miguel, veja
O que me houve somente.
Fui obrigada a casar
Sem valer de meus parente
Inda mais o Cão na cama
Não foi macho competente!
O Capiroto arretou-se
Com aquele depoimento.
E Zefa ainda emendou:
Toda cheia de contento:
- Se fosse pra ser assim,
Eu queria era um jumento!
São Miguel ouvindo aquilo
O divórcio comprovou:
- A mulé merece tudo
Que o marido lhe tomou!
E o tal inferno todinho
Para Zefinha ficou!
Se casório fosse bom,
Deus se casava primeiro.
Mas como ele é o Senhor,
Não faz ato traiçoeiro.
Assim disse Satanás:
- Por isso Deus é solteiro!
Recife, 13 de novembro de 2010.