“PASSAGEM”
Eu nasci um dia
Certo que vou morrer
Vai à tumba fria descer
A minha matéria fria
Cá fica minha alegria
E todo o meu frescor
Eu rijo e sem cor
Flores, meu envoltório
Fim do meu velório
Caminha o meu andor.
Não ouço o ranger
Dos portões do cemitério
Indo ao meu ascetério
Irei lá permanecer
Onde os germes irão fazer
De mim uma carnificina
Se há vida não se atina
Ter o espírito separado
E ao corpo não ser juntado
Ao se fechar a cortina.
De joelhos papai
Em silencioso pranto
Mamãe, em um canto
Alguém a consolai
Por mim não orai
Seguirei o meu declive
Bem ou mal se estive
Aqui, agora, não importa
Sou uma coisa morta
Orai por quem vive.
Conjunto de gene esquecido
Na lápide um anônimo
Da verve, sinônimo
Do ser ali dissolvido
Pra que mamãe ter parido
Do ventre eu, pra quê
Nascer, viver, morrer
Não é notada a vacância
Somente a substancia
No podredouro a feder.
É o fim da minha historia
Eu sepulto num buraco
Embebido num charco
Sem palma, sem gloria
Amnésia na memória
Dos pares. E eu só
Osso, esboço do pior
Projeto de Deus. Deus
Recebe o espírito meu
E a carne devolva ao pó.