O encontro de Lampião com Cabeleira

Do livro: "Cabeleira & outros cordéis de cangaço"

Homenagem aos 80 anos do cordelista e xilogravurista José Costa Leite

Bem, meus amigos leitores,

Aqui traço redação

Sobre duelo danoso

Que trovejou no sertão

Com o brabo Cabeleira

E o temido Lampião.

Histórias sobre esses dois

Por muitos foram contadas

Mas essa que assim lhes narro

Entre todas foi mal dada

Pois provou que no Congresso

Só há conversa fiada.

Cabeleira era valente,

Foi homem muito cruel

Com ele santo sofria

E chorava coronel

O seu ódio conhecia

O pior gosto do fel.

Lampião foi valente

Assim como Cabeleira

Assaltou todo o sertão

Maquinando desgraceira

Seu bacamarte roncava

Muito mais que frigideira

Dois cabras muito valentes,

Brabos, cruéis e marrudos

Que desafiaram reis,

Duques e quaisquer taludos

Suas histórias se vão

Cruzando os tempos sisudos

Um dia Lampião ia

Avançando ao litoral

Chegou na zona da mata

E lá se danou um mal

O malvado Cabeleira

Lhe teve ofensa, afinal.

E foi dizendo ao intruso:

- Lampião, cabra safado,

Saia das minhas lavouras

E volte pro seu roçado.

Se me peitar, seu bizonho,

Eu sangro você deitado.

- Essa terra, Cabeleira,

Não me tem jurisdição.

Fui ao cartório civil

E não vi seu dono então.

Por isso vai se tornar

Roçado de Lampião.

Cabeleira tomou faca

E partiu com vil brabeza,

Deu uma chapoletada

No outro com mui firmeza

Que Lampião forrozou

Um xaxado com tristeza.

Mas Lampião se refez,

E pegou seu bacamarte

Danou uma cacetada

Ali, naquela tal parte,

Cabeleira amofinou

Choramingando pra Marte.

Então os dois se agarraram

Com murros e pontapés

Lampião saiu gemendo,

Cabeleira dando bés

O cacete comeu quente

Naquele tal revestrés.

Nisso Cabeleira disse:

- Lampião, tu és donzela

Cheia de dengo e frescura,

Morde-fronha, uma cadela,

Que só cochila feliz

Se comer da mortadela.

Lampião, todo mordido,

Respondeu com ligeireza:

- Cabeleira, és um balista

Que fala com mofineza.

Vou te levar prum castelo

Pra te fazer de princesa.

Cabeleira se arretou,

Correu com gesto daninho.

Deu uma lapada n’outro

Que rodou bem rapidinho.

Lampião ficou piando

Parecendo passarinho.

Mas Virgulino se fez

De forte, ficando em pé.

Puxou o facão ligeiro

Parecia não ter fé

Meteu no bucho do outro

Que ficou todo lelé.

O sangue foi escorrendo

Parecia cachoeira.

Lampião se descuidou,

Vacilou com Cabeleira.

Este danado tirou

Da cueca uma peixeira.

Cabeleira correu manso

Mais parecia um mocó.

Chegou de tocaia logo

Não fazendo trololó.

Esfaqueou Lampião,

Que tombou do mocotó.

Então Cabeleira disse

Já pronto para brigar:

- Homem para me vencer

Inda está pra rebentar.

Agora, Lampião, pie

Porque vou lhe depenar.

Mas Lampião, de surpresa,

Pulou danoso de graça,

Deu três giros no ar

Como um avião de caça,

Caiu montado no cabra

E foi fazendo pirraça.

E segurou Cabeleira

Com o cabelo na mão,

Tirou o punhal de pronto

E pregou uma lição.

Cabeleira agora era

Um careca de antemão.

E Lampião ficou rindo

Que de tanto rir, chorou.

Mais uma vez de tocaia

Cabeleira se aprontou.

Pegou o cabra de jeito

E o pêlo também cortou.

Então os dois se atracaram

E tome mais murro quente!

Um querendo ser bem mais

Que o pareceiro valente.

No final desse rebolo

Cada qual ficou sem dente.

Lampião pegou um balde

E girou com malvadeza.

Cabeleira sem valer

Sentiu aquela dureza

Um galo na sua testa

Lhe cresceu sem avareza.

Cabeleira espumou doido

Como um cachorro doente:

- Lampião, seu corno frouxo,

Vou também lhe dar presente.

Cabeleira se dotou

De um alho, só um dente.

Lampião olhando aquilo

Disse com muita ironia:

- Pra me derrubar, mané,

Só sendo com valentia.

Se queres ser cozinheira

Aviso pra freguesia...

Enquanto Lampião ria,

Mais uma vez vacilou.

Cabeleira fez do alho

Um amassado e danou

No outro olho do bandido

Que cego logo ficou.

Depois de um tempo, os dois cabras

Olharam-se com tristeza.

Viram que aquele duelo

Só lhes deixou em pobreza.

Lampião disse: - Seu cabra,

Me desculpe a afoiteza.

Cabeleira disse então:

- A culpa foi toda minha.

Se eu não fosse tão mesquinho

Não haveria essa tinha.

Os cabras naquele instante

Das pazes fizeram linha.

Lampião foi dizendo então:

- Deus deu para toda cria

Pro rio, bode, floresta,

Macaco, homem, cutia,

Essa terra em que moramos

Pra vivermos harmonia.

Cabeleira concordou

E das mãos os dois se deram.

Em dois tempos os valentes

Inimigos já não eram

E com todo mundo ali

Reforma agrária fizeram.

E por isso, meu leitor,

Houve muita confusão.

O congresso ficou besta

Com aquela decisão.

Cabeleira doou terras

Pro povo e pra Lampião.

Vitória de Santo Antão, 06 de junho de 2008