A Ida de Maria Bonita à Fashion Week

Andando de canto a canto

Do Ceará pra Buíque

Maria Bonita cansada

Num tava güentando o pique

Chegou pra Lampião séria

Vou pra Sum Palo de féria

Visitar a “Fechuíque”

Lampião deu c’a miséria:

- O que é meu outro num óia

Quanto mais minha mulé

Pra homem coçar jibóia

Pode baixar seu archote

Que hoje num tou bom pra xote

E num vai nem c’a pinóia!

Maria Bonita zangou-se

E atirou fora os perfume:

- Se você num me deixar

Num vai ter boca que fume

Nem espingarda que atire

Nem pedido que eu me vire

E nem laranja com gume

Ele ficou todo gaizo

Se ficasse num comia

Se ela fosse pra lá

Sexo também num fazia.

Logo ele moleceu o braço

E foi lhe dando um abraço

- Lá ela num me judia

Virgulino foi falando

Mais manso que uma preguiça

Maria Bonita andando

Logo foi pondo premissa:

Pegue o nosso matulão

Me leve para estação

Que o trem já já desenguiça.

E Lampião se encolheu

Nem sequer deu chiadinho

Pensou: A mulé se vai

E eu fico aqui sem carinho.

Mas vou fazer sua vontade

Quem ama vê lealdade

Não fica vendo daninho.

E Maria Bonita foi

Sozinha no mei do mundo

No verso dum foi não foi

Dum poeta sugismundo.

Descendo a Sanfranciscana

Pela caatinga baiana

De cerrado bem no fundo.

O condado arbustivo

De herbáceas se reveste

Caminho um tanto seguido

Por muito cabra-da-peste

Que sai dum feroz mormaço

Cruzando um tal de Espinhaço

Nessa região Sudeste.

Maria Bonita já viu

Muita cidade presente

De Juazeiro a Corinto

E o Chicão de penitente

Porém chegando em Sum Palo

Ela deu danado estalo:

- Aqui se entupiu de gente!

A cangaceira cantou

Da beleza que deu vista

Viu gente do mundo inteiro

Alegrou-se da conquista

De ver mulher trabalhando

Sozinha ou também em bando

Nessa avenida Paulista

Assustou-se com a Política

E com tamanha surpresa:

Um é médico e defunto;

Outra de frango é nobreza;

Um rouba para fazer

Ninguém sabe o que temer

De gente com safadeza!

Passada a apresentação

Dessa cidade gigante

Maria Bonita correu

Pro desfile num instante

E ela que só foi olhar

No lugar de visitar

Deu para ser desfilante.

Foi aí que um rapazote

Lhe tirou a carapuça

Ela de doida se armou

Meteu-lhe o cano na fuça

- Me dê essa minha touca

Senão lhe meto na boca

Bala que deixe ela avulsa!

O menino se tremendo

Cabou de medo cagando

Daí veio uma mulé

Mui alta se esprivitando

- Senhora, não fique prosa

Como sinhá é famosa

Nós tamo lhe convidando.

Maria Bonita, cabreira,

Achou que era conversa.

E de tanto matutar

Enxergou-se toda aversa:

- Vá pra lá com prosa imunda

Qu’eu num mostro minha bunda

Fico feito mulé persa!

- Mas d. Maria Bonita

A senhora é belezura

Rosto lindo, de olho firme,

Coxa grossa e perna dura.

E a Rainha do Cangaço

Amoleceu o corpo e o passo

Remoendo rapadura:

- Eu num saí do sertão

Pra servir que nem modelo.

Lampião tá lá sumido

Sem saber desse novelo

De coisa tudo entronxada

De mundiça afrescalhada

Que nem penteia o cabelo.

A modeleira calou

Mas logo comeu na linha:

- Se num queria desfilar

Por quê avisou que vinha?

Maria Bonita tremeu

E de mofina se deu:

- Foi pra comprar calcinha.

E a Rainha concordou

Com a proposta desfilar:

- Mas antes de me chamarem

Eu devo ir prum lugar.

Vou pruma igreja me ter

Já pro Senhor me benzer

Pra Lampião num brigar.

E assim se foi a Rainha

Num veloz dum bacurau

Foi simbora lá pra rua

Pra ninguém lhe falar mal

Tinha gente de Sumé

Lá na praça Santa Sé

Onde fica a Catedral.

Rezou muito disposta

Pros santos da ladainha

Cum terço na mão direita

Deu foi rosário na linha.

Pediu pra santo de pobre

Qu’assim a alma é pura e nobre

De São Bento à Terezinha.

Chegando na Bienal

Vestiu roupa de etiqueta

Que de tão raparigada

Mostrava a danada preta.

Foi um fole tão renhido

Que catucou o pissuído

Deixando a desgraça feita.

A Rainha estarreceu

Cuma raiva da disgrama

Aquetou sua jurubeba

Mas deu cacete na dama:

- Me dê roupa, sua jupenga,

Que eu num tô aqui de quenga

Pra exibir a minha “fama”!

E botaram roupa justa

Salto alto, batom e laço

Ela, de graúda e nova,

Num deu pra ninguém espaço

E da silhueta a curva

Deixou foi modelo turva

Que nem o Rei do Cangaço.

Foram fotos pra jornal

E entrevista pra TV

Matéria para Internet

Pro mundo todo sabê

Inclusive Lampião

Que botou mão no cocão

E sentiu o chifre crescê.

Mas Maria Bonita riu

Quando Cicarelli veio

Tão charmosa, toda chocha

Bem enfeitada de arreio.

E vendo a Rainha bela

Chegou bem pertinho dela

Ficando só de joeio.

As modelos do estrangeiro

Ficaro tudo maluca.

Mulé feito aquela é sonho

Gisele Bündchen é a Cuca.

Montaram um cafundó

Que chega mermo deu dó

De tanta feia no açuca.

E de Maria foi sucesso

Que na semana seguinte

Para o Rio de Janeiro

Caiu toró de pedinte.

Ela já muito vaidosa

Num deu pra curtir a glosa

Lembrou do século XX.

Maria Bonita correu

Foi vortá para estação

Pegar o trem bem ligeiro

E se daná pro Sertão

Que taipa pra pau-a-pique

Sulanca pra “Fechuíque”

É dengo no coração.

E chegando no Araripe

Destrambelhou o Seridó

Traquinando o Ibiapaba

Remexendo o Moxotó.

De longe viu Lampião

Cum punhal de ouro na mão

Apontando o seu gogó.

- Que história foi dessa vez

Que a senhora me arrumou

Deu no jornal e TV

A Dona me corneou?

- Eu num sei dessa Dona

Tinha lá Maria Lindona

Que todo mundo mirou...

E assim, o verso partindo

Tudo ficou muito bem

Lampião de brabo certo

Sabe: bela mulé tem.

Intonce o bando detona

E o verso pede carona

Pelos planaltos do Além.

Jaboatão, 29 de julho de 2004.

Maria Bonita e Lampião pertencem realmente não só à história do país e da região Nordeste, como também ao povo e suas crendices. Sendo os personagens mais requisitados pelos cordelistas do país, Rafael A. C. Oliveira retrata o feminismo por parte de Maria Bonita, expressão de força e postura da mulher, partindo de seu advento na escolha e fundamentação de suas decisões. A Ida de Maria Bonita à Fashion Week é um dos folhetos preferidos do autor.