Ascenso Ferreira: o mestre que aprendeu sem se ensinar

A três professores-fãs do Mestre:

Moisés Neto,

Jurandir Jr. e

Kleyton Pereira

Nos Palmares desta Mata

C’as bênçãos de uma ninfeta

Nasce um menino danado

Que a luz do sol já decreta:

Por Ascenso chamará

E o mundo bem saberá

Que ele irá ser bom poeta

Mas no registro foi dito

Que Aníbal era seu nome

Só que o menino botou

Mote que muito lhe some:

- Se é pra ser bom poeta

Fica Ascenso que completa

Na boca de cada “home”!

E o poeta era rebento

De Marocas, professora,

E de Antonio Carneiro

Torres que vem sem demora

E da infância seu letrado

Da mãe vem acompanhado

O sucesso que vigora.

Nascido em noventa e cinco

Do século dezenove

Já nos idos doutro próximo

Com o padrinho se promove

No balcão de s’a Fronteira,

Loja que serve pra feira,

Desse tempo que se move.

No decorrer do ano 11

Houve muita confusão

Tinha homens que pra ele

Queriam era prisão

Por ser abolicionista

Um moço de reconquista

Que tem feliz coração.

Nesse ano tão turbulento

A seiva vem dando rama

E o bardo escreve um soneto

Que dali vai lhe dar fama

“Flor Fenecida” chamava

E “Ä Notícia” publicava

Como uma primeira dama

Nos anos que depois teve

S’a mãe de emprego saiu

Demitiram por política

Que no mundo tem covil

Mas de verso tinha à pena

Soneto e balada em cena

“Pro Pace” ao Lima serviu.

E esse Lima era ministro

De Oliveira sua alcunha

Chamou Ascenso poeta

E então a cidade punha:

- Antes era metidinho

Hoje é muito sabidinho

Vate de couro na unha!

E com outros literatos

Fez “A Hora Literária”

Mas da sua Palmares

Se mudou para a Clamária

Recife de Pernambuco

Com a ajuda dum mameluco

Que por Fausto não foi pária

Mas um primeiro momento

No Recife foi mui forte

Mataram Fausto na rua

Que não teve tanta sorte

Ascenso ficou, coitado,

Triste de não ter cuidado

Pelo senador sem norte

Mas em 21 no ano

Ascenso ficou feliz

Deu num casamento o noivo

Que Maria Stela quis

Ela era uma palmarense

Filha de vate of sense

Um tal de Fernando Gris

E partindo daí solto

Ascenso foi ter amigo

Um foi Joaquim Cardozo

Que não sabia perigo

E também de não ser mudo

Falou com um tal Cascudo

Que se animou bem consigo

Mas teve um tal de Guilherme

Que de Almeida sua manta

Chegou pro nosso poeta

Pronto em lhe mandar mais tanta,

E disse: Ascenso, vai mal...

Tem que fazer recital

E disso o Peste fez janta!

Ligeirinho ele foi vendo

Deu-se com “mói da disgrama”

E da pena foi tratando

Verso com mais de cem grama

“Lusco-fusco” nem c’açoite!

O verso é “Boca da Noite”

Que assim o cordel se inflama

Se atocaiando no meio

Da geração de anos 30

Ascenso foi fabuloso

No verso solto da tinta

Poetizou CATIMBÓ

E a sua terra em rondó

Que a cultura sempre pinta

Era o ano de 27

Quando CATIMBÓ reinou

Com conselho do Mané

O seu Joaquim gravou

Com Zé Maria de Melo

Um desenho do singelo

Pro livro que encantou

CATIMBÓ tinha “Reisado”

“Samba”, “Dor” e “Tradição”

“Cavalhada” e “Boi-bumbá”

Mas eu gosto de “Sertão”

E outras belas poesias

Que pra nós são regalias

Pro “cantim” do coração

E no ciclo de amizade

Uma se tratou bendita

Ganhou zelo bem retinto

Aquela de tez escrita,

O pai de Macunaíma,

Mário de Andrade na rima

De Ascenso fez boa fita

Depois disso festa só

Ascenso todinho afoito

Foi pro Rio e pra São Paulo

Recitou o seu biscoito

Conheceu gente chique

Que pra ele fez repique

Feito chamego em coito!

E bem lá pra 39

Corre verso por semana

Mais outro livro da porra

Chamado CANA CAIANA

Teve mula, cabra e boi

Até Zepellin “no foi

Não foi” no trem da cana

Esse livro tinha mais

Danação que o CATIMBÓ

Falava de casa-grande,

Carnaval, toré e nó

De mulata sarará

E de “Äh! O velho lá!”

Que era voz de bozó

E o danado foi de novo

Pro Rio de Janeiro

Falou com Portinari,

Pintor de tom bem no cheiro

Era a forçado danado

Que tava com martelado

De galope pro estrangeiro

Nos anos que vão chegando

Lhe chegou o de aposentado

Tinha cargo de diretor

Dum patrimônio do estado

Agora cantava mais

Ia embora pro cais

E nome do letrado

E nessas vezes pomposo

Conheceu foi a Lurdinha,

Menina que nem donzela

Que inda era bem novinha

Mas gostou tanto da moça

Que lhe deu prata, ouro e bossa

E com ela fez casinha

Num sei se ele era viúvo

Nem sei da outra também

Só sei que nasceu Luíza

Pouco antes de XENHENHEM

Isso foi n’anos quarenta

Mas o livro é dos cinqüenta

E pra ele digo: Amém!

Nessa vida, seu Ascenso

Teve muito do fino

E de tanto recitar

Nunca negou o nordestino

Na capital do Goiás

Conheceu do jogo o ás

Um bom cantador andino:

Ele era Pablo Neruda

Vinha do Chile medonho

Dois versejador de mesmo

Que nessa rima já ponho

E da fama Ascenso fez

Disco dos versos na vez

Pro Eterno que chega em sonho

Tava chegando um sinal:

Ascenso beirava os céus

Depois de tanto cantar

Escutou a sorte de Deus

O peste tava indo embora

Pois já lhe batia a hora

Que a morte solta os véus

Como todo bardo santo,

Foi pra Vila do poeta.

Chegando lá lhe disseram

Pr’andar numa bicicleta

Nisso apareceu ladeira

Ele meteu foi carreira

E danou-se pela reta

E Ascenso foi arribando

Pro Reino da Poesia

Foi lá pra São Saruê

Gozar sua regalia

Numa casa ou num sapé

Ia de carro ou de pé

Pr’ Oropa, França e Bahia

Às vezes pegava o trem

Das Alagoas que... vôte!

E eu também vou na soleira

Porque não tenho brebote.

E pra tu, Dona Maria,

Fica aqui minha relia

Dum homem que muito amou-te.

E assim já vou terminando

Verseja pra me zarpar

Pois Ascenso mestre é,

Aprendeu sem se ensinar

E eu escrevo o que me rende

“Vou danado pra Catende

Com vontade de chegar”

Recife, 20 de junho de 2005