EU COMPREI GATO POR LEBRE
51 - EU COMPREI GATO POR LEBRE
Eu era de profissão
Consertador de panela
Fui chamado no sertão
Quando passei da cancela
Dei c'uma moça faceira
Então caí na besteira
De ficar doidim por ela
A danada era mais bela
Do que burra de cigana
Eu parti pra riba dela
Dando uma de bacana
Tirei meu chapéu de massa
E perguntei sua graça
Ela respondeu: é Ana
Sou filha de Bastiana
E de Toim de Sinhá
Daqui a duas semana
Tô dentro de completar
Dezesseis anos de idade
Perguntei: por caridade
Você quer me namorar?
Ela falou: sai pra lá
Nem me fale nesse troço
Só namoro pra casar
Quis saber: mocinha eu posso
Vim no seu aniversário
Trazendo junto o vigário
Pra gente fechar negócio?
A gente pode ser sócio
Dormindo no mesmo leito
Eu vou abrir seu negócio
Você mostra que tem peito
Pois topo qualquer parada
Pra ter uma namorada
Zero bala desse jeito
Ela falou eu aceito
Quero viver do seu lado
Com papai eu me ajeito
Fica tudo combinado
Se você tiver a grana
Dentro de duas semana
A gente vai está casado
Cheguei no dia marcado
Meu sogro me tratou bem
Tava mei desconfiado
Eu tava um pouco também
Mas Toim franziu a testa
E gritou: vamos à festa
Na graça de Deus, amém
Foi só cantar parabém
Botei meu terno listrado
Daí a pouco Ana vem
Cum seu vestido encarnado
O padre entrou pela sala
Ligeiro feito uma bala
Disse: vocês tão casado
Morrendo de agoniado
Pra chafurdar na megera
Me despedi avexado
Do paizão da bestafera
Sem sequer pedir desculpa
Botei Ana na garupa
E gritei: vou pra galera
Cheguei na minha tapera
Agarrei Ana lá fora
Ela falou: ôme espera
Não me faça nada agora
Em nome de Deus do céu
A nossa lua de mel
Vamo deixar pr'outra hora
Fui me deitar lá por fora
Num coxim velho e fedido
Mas a noite foi-se embora
Sem eu ter adormecido
Resolvi ter uma prosa
Pra mostrar àquela rosa
Meus direito de marido
Levantei aborrecido
Mas num perdi minha fé
Fiz cuscuz, ovo cozido
Fui preparar o café
Botei água na chaleira
Me assentei na cadeira
Mode esperar a muié
Vou lhe dizer como é
Obrigação de casado
Depois faço uns cafuné
Dou uns abraço apertado
E deixo Aninha animada
Pra mode de madrugada
Vim me fazer uns agrado
O sol tinha clareado
Quando ela saiu da cama
Se assentou do meu lado
Enfurnada num pijama
Me falou, num tenha pressa
Porque qualquer noite dessa
Vou ser sua muié dama
Num sei dizer se era drama
Ou se ela disse a verdade
Amor é fogo sem chama
Pra quem tem aquela idade
Mermo passando sufoco
Vou esperar mais um pouco
Pra matar minha vontade
Toda noite, por maldade
Ana num me dava trela
Tinha sempre novidade
Mode eu num dormir mais ela
Nós era igual cão e gato
Comendo no mermo prato
Sem beliscar a panela
Parecia uma novela
Dessas que nunca tem fim
Se eu ia pra riba dela
Ela fugia de mim
Como nunca fui covarde
No mermo dia de tarde
Chamei meu sogro Toim
Como vai? Disse Toim
Num tô bem não, obrigado!
Meu casamento tá ruim
E tá ruim que tá danado
Já faz um ano qu' eu tento
Consumar o casamento
Sem obter resultado
Como é que é, condenado
Que é que tu tá me falano?
Tá cum ano de casado
Sem tirar água do cano
Pra lhe falar a verdade
Ana num tem virgindade
Derna que fez nove ano
Já foi muié de cigano
Chamegou cum japonês
D' um pai de santo baiano
Pegou duas gravidez
Teve caso cum padeiro
Se amigou cum pistoleiro
Ficou buchuda outra vez
Filho já teve bem seis
Que morrero de repente
Eu já vi que dessa vez
Nada vai ser diferente
Você conserta panela
E Aninha pula a janela
Mode brincar mais Vicente
Seu menino, essa inocente
Tem o coração de ouro
Você num foi competente
Nem viu que tinha um tesouro
É porque você num presta
Qu' ela lhe botou na testa
Uma peruca do touro
Me disse por desaforo
Aquele velho atrevido
Se você num dá no couro
Vai ser corno convencido
E tem mais, cabra de peia
Aninha lhe sacaneia
Porque num tem um marido
Meu irmão eu fui traído
Na porta do meu casebre
Eu fiquei doido varrido
Cum quarenta grau de febre
Quando pensei que a safada
Nunca tinha sido usada
E comprei gato por lebre
Toim falou: não se quebre
Que agora já tá casado
Isso aumentou minha febre
Me deixou agoniado
Minha cabeça doía
E toda hora eu sentia
Cheiro de chifre queimado
Eu sei que fui o culpado
Pelo que se deu comigo
Não devia ter casado
Sem conhecer o artigo
Uma coisa eu acho errado
Ana cair em pecado
E eu pagar o castigo
Essa lição, meu amigo
Nunca mais a gente esquece
Quem não quer correr perigo
Só casa com quem conhece
E se tiver benquerença
Quando a cabeça não pensa
É o corpo quem padece
Hoje eu vivo com estresse
Cabisbaixo e carrancudo
O mundo me aborrece
Tenho vergonha de tudo
Num posso sair na rua
Que todo mundo insinua
Lá vai passando o chifrudo
FIM