PENDENGA DE DUAS COBRAS COM UM LAGARTO CIGANO

Eu vou contar pra vocês

Com bastante exatidão

Que duas cobras duma vez

Deram com um lagartão

E brigaram mais de mês

Sem tréguas nem contenção

O lagarto bem comprido

Em tom de rico emergente

Confessou ter resolvido,

Da região, ficar ausente

E para não ser retido

Alegou estar doente

Quando as tais cobras souberam

Do teor da confissão

Soltaram a língua e disseram

Que aquilo era uma invenção

E de pressinha já deram

Início à perseguição

Se o lagarto viajava

A jararaca aludia

E a cascavel perguntava

Para onde ele seguiria

Se a primeira insinuava

A segunda maldizia

Teve reunião proposta

Pra tratar daquele assunto

Até houve certa aposta

Que iria sobrar defunto

Vindo quem gosta e desgosta

Votou todo mundo junto

O clima estava esquentado

Como era de se esperar

As cobras no achocalhado

Querendo logo matar

E o lagarto danado

Procurando se abrigar

A cobra líder falou

Com enorme erudição

A outra bem destacou

Já saber da enrolação

E a bicharada ficou

Temente e com aflição

Diziam por todo canto

Pra que qualquer ser ouvisse

Que o lagarto tinha um manto

De modo que lhe encobrisse

A fuga pra todo canto

Que sorrateiro partisse

Dizendo ter proteção

De uma entidade graúda

Dispensando a apuração

Da troca de tanta muda

As cobras na zangação

Desconfiavam da ajuda

Falavam a todo instante

Que eram muito pontuais

Enquanto o lagarto errante

Só viajava demais

Sem nada adir ao montante

Dos dons departamentais

Cada cobra se ofendia

Pois apesar do seu feito

O lagartão bem vendia

A face de bom sujeito

E, assim sendo, conseguia

Enganar de todo jeito.

Chegou num dado momento

A grande revelação

De que o lagarto em fomento

Teve participação

Labutando qual jumento

Para atingir produção

Nisso uma cobra enroscou

E a outra se armou no bote

Cada uma mais rebuscou

Para enredá-lo no mote

E o bicho não se lascou

Porque fugiu no pinote

Aí foi que uma coruja

Com sua sabedoria

Disse ao lagarto: não fuja

E evite essa correria

Enfrente essa dupla suja

Procurando parceria

Assim que a coisa esquentou

Lagarto se fez presente

Logo, logo argumentou

Explicando estar ausente

Em função do que passou

No seu quadro de doente

Na altura da nossa história

Uma cobra dita esperta

Viu a chance da vitória

Que já tinha como certa

E com os louros da glória

Sonhou até bem desperta

Chamou a parceira depressa

Para preparar um plano

Feito dossiê de Odessa

Para que em menos de um ano

Eliminasse sem pressa

O tal lagarto cigano

Mas, pensam que foi assim

Do jeito que elas queriam?

Por mais idéia ruim

Que as duas desenvolviam

O lagarto via o fim

Daquilo que pretendiam

Um dia destes, porém,

Já sendo meio previsto

Mas não dizendo a ninguém

Os bichos tiveram visto,

Com ar de certo desdém,

O que havia de malquisto

As cobras dando o seu bote,

O lagarto usa a rabada,

Lançada feito um chicote,

Depois de levar picada

Recua num só pinote

E devolve uma lapada

Pra se curar do veneno

Lagarto morde o pinhão

Em menos de um aceno

Volta para a confusão,

De energia, mais pleno,

Senhor da situação

Vendo que cobra sofria

Depois de ser açoitada

O lagarto bem corria

Pra imunizar da picada

Se não faz isso morria

E a luta estava encerrada

Mas a rusga, afinal,

Ainda demoraria

Pra chegar ao terminal

Muito mais coisa haveria

Pautada no cabedal

De intriga e de baixaria

Quando o Sol quase escondido

Beirava o portal do ocaso

Podia ser percebido

O desfecho deste caso

Ao ver-se um corpo estendido

E a morte fora de prazo

O lagartão se arrastava

Em busca da planta boa

Cada cobra relutava

Em dizer que estava à toa

E a bicharada notava

O final triste da loa

Hoje, pensar é preciso

Porque se deu desse jeito

Tudo na base do guiso

Como se fosse direito

Agindo assim, sem juízo,

Por causa de preconceito