O AMOR COM A IDADE PODE VIRAR AMIZADE
Trinta anos de casado
Eu vou fazer em agosto
Só não vou dar uma festa
Pra não morrer de desgosto
Pelo que o governo é
Se mostrar minha mulher
Vou ter que pagar imposto
Tem muita ruga no rosto
No corpo só tem pelanca
Por carregar tanto peso
A coitada ficou manca
Com o chassis empenado
O osso do pé quebrado
E um caroço na anca
Ela era uma potranca
Quando tinha quinze ano
Eu endoideci por ela
Botei ela no meus planos
A bicha era mais perfeita
Mais bonita e mais bem feita
Do que qualquer oceano
Quase perdi o tutano
Quando vi essa jumenta
Ela tinha de altura
Mais de um metro e setenta
Pesava sessenta quilos
Quando eu avistei aquilo
Fiquei suando na venta
De trinta e oito a quarenta
Era o seu manequim
Os peito, noventa e seis
Os quarto mais um "pouquim"
E os "zói" cor de batata
Assim qu'eu vi essa gata
Notei que dava pra mim
Zanha feito um guaxinim
Tinha as canela roliça
E as coxa da grossura
De cinco bicho preguiça
Andava num requebrado
Com um vestido acochado
Feito carne na lingüiça
Como urubu na carniça
Eu não deixei ela em paz
No lugar que ela chegava
Eu também chegava atrás
Até meu burro, "Roxin"
Conhece bem o "camin"
Que todo dia ela faz
Ela estudava por trás
Do sítio que eu morava
Eu ficava esperando
A hora que ela passava
Tentando flertar mais ela
Eu dava uma piscadela
Mas ela nunca piscava
A égua que ela andava
Morreu comendo mamona
Eu tive a primeira chance
De conquistar essa dona
Arranjei uma desculpa
Botei ela na garupa
E lhe dei uma carona
Quando eu vi essa madona
Agarrar minha cintura
Fiquei tremendo de medo
Sentindo frio e tontura
O burro deu um pinote
Ela fungou no cangote
Eu viajei nas altura
A mais linda criatura
Que tinha naqueles lado
Tava na minha garupa
Com o seu corpo colado
Eu senti um arrepio
E cutuquei no vazio
Que o burro caiu sentado
Caí com ela agarrado
Que não passava um cabelo
Rolei com ela na grama
Mas atendi meu apelo
Meti-lhe um beijo na boca
Vi que ela ficou louca
Pra fazer um desmantelo
Me bateu de cotovelo
Com força no pé do ouvido
Voou um jato de sangue
Espirrou no seu vestido
E eu muito astucioso
Pra me fazer de dengoso
Fiquei no chão estendido
Quando ela me viu caído
Pulou em cima de mim
Gritando alto o meu nome
Dizendo não fique assim
Fez, depois de ficar rouca
Respiração boca a boca
Eu fiquei "molim, molim"
Disfarcei, até que enfim
Resolvi me acordar
Vi ela olhando pra mim
Que o brilho do seu olhar
Fez gelar meu espinhaço
Me atracou num abraço
Começou a me beijar
Daquele dia pra cá
Não fiquei mais longe dela
Todo lugar que ela ia
Eu ia grudado nela
C' um mês e "mei" de namoro
Pra não ouvir desaforo
Decidi casar mais ela
Com essa moça tão bela
Agora eu era casado
Fiz uma casa de taipa
Na porteira do roçado
Pra nós tocar nossas vida
Já tinha casa e comida
E um amor arretado
Nós dois muito apaixonado
Tivemos catorze cria
Vinha um "fio" atrás do outro
Todo ano ela paria
Pra nossa felicidade
Ficou metade a metade
Sete "fio" e sete "fia"
Hoje, criada a "famía"
Nós ainda vive junto
Pra gente não falta amor
Pro povo não falta assunto
Pois um casal como a gente
Só vai ficar diferente
Quando os dois virar defunto
A gente inda se quer muito
Mesmo tendo envelhecido
Fiquei buchudo e careca
Ela com os peito caído
Deixa os califon folote
Nas coxa tem dois culote
Que não cabe no vestido
Os pés inchado e doído
Pelo peso que carrega
O bucho em cima das coxa
Os braço "cheim" de prega
Mesmo assim não desanima
Só dorme c'um peso em cima
Feito papel de bodega
Hoje, isso a gente não nega
Nós tem mais dificuldade
Ela ficou mais gordinha
Com o peso da idade
E não tem mais o chamego
Que me tirava o sossego
No tempo da mocidade
A nossa felicidade
Tá cada dia maior
Desde que a gente casou
Não precisou dormir só
O amor não tem segredo
Ela é o meu brinquedo
E eu sou o seu xodó
Não tem nada de melhor
Do que nós dois já viveu
Se a beleza foi embora
O sentimento cresceu
Se o desejo é pequeno
O nosso amor é sereno
Como um presente de Deus
FIM