O CANTO TRISTE DOS PÁSSAROS À BEIRA DA EXTINÇÃO
41 - O CANTO TRISTE DOS PÁSSAROS
À BEIRA DA EXTINÇÃO
As aves foram extintas
Sumiram das alvoradas
Sinfonias matinais
Sumiram das madrugadas
O céu sem graça reclama
Do final das revoadas
Nem sombra da passarada
Sobre a relva da campina
Ninhos são lares vazios
Frutos da carnificina
Vidas banidas por nada
Pelo prazer da chacina
A culpa da triste sina
Pelo homem é conduzida
Em defesa do progresso
Atentando contra a vida
As gerações do futuro
Poderão ser destruídas
Por uma causa perdida
As aves em cativeiro
Privadas da liberdade
Por um cruel justiceiro
Sem a beleza do canto
Que ficou prisioneiro
Pela fome do dinheiro
O homem em sua cegueira
Desrespeita a natureza
Desmata a floresta inteira
Alterando o conteúdo
Da poesia brasileira
Minha terra tem palmeiras
Mas não canta o sabiá
Os pássaros que existiam
Deixaram de gorjear
Não se ver mais na caatinga
O vôo do carcará
O homem tem que pagar
Tanto crime ambiental
Árvores secas sem ninho
Sem oco do bacurau
Pondo fim a percussão
Do maestro pica-pau
Com instinto criminal
O homem entra em ação
Trafica aves silvestres
Faz chorar o azulão
Pela última melodia
Na voz do corrupião
Um decreto de prisão
Na gaiola pequenina
Cala lá dentro do bico
O protesto da cravina
Num dueto de lamento
Com o galo de campina
Uma nuvem assassina
De defensivos no céu
Ao combater os insetos
Exterminou o xexéu
Numa seqüência de males
Feriu de morte o tetéu
Nas sombras do negro véu
O sepulcro da andorinha
O silêncio do roçado
Pela fuga da rolinha
E o quadro desfigurado
Do jazigo do golinha
O homem perdendo a linha
Fomenta a destruição
Extermina na postura
As aves de arribação
Como o maior predador
Que já se viu no sertão
Cenas de depredação
Da mão humana fagueira
Aperta a corda da morte
No pescoço do coleira
Enquanto a mão desumana
Condena o fura-barreira
No interior da clareira
Presságio de mau agouro
Suspira o rasga mortalha
Num grito sufoca o choro
Na mortalha do descaso
Jaz o casaca de couro
E vai-se mais um tesouro
No rumo da extinção
O chão rachado demonstra
Que já não há gavião
No leito seco do lago
Sucumbiu o mergulhão
Galhos secos sob o chão
Trazem cinzento matiz
Por falta de alimento
Não resistiu a perdiz
Nem há moita que projeta
O vôo da cordoniz
Não há sobre a flor de lis
A dança do beija flor
Que reconstruiu a vida
Das florestas que plantou
Porque o homem insensato
Não lhe soube dar valor
Poluiu e envenenou
Os mananciais da serra
Como guerreiro que luta
Sem ter motivos pra guerra
Em mais um tiro covarde
Foi-se o canário da terra
O homem sabe que erra
Em cada atitude vã
Rouba a estrela da noite
Apaga o sol da manhã
Assim como apaga o sopro
Da vida da jaçanã
Onde estará amanhã
A nossa ararinha azul
Que perdeu a cor do céu
Para mortalha do anu
Com a morte declinou
Levando junto o nhambu
Não sobrou nem urubu
Pois também abriu o bico
Foi-se embora a alegria
Da canção do tico-tico
No chão seco do açude
Nem rastros do maçarico
Pintasilgo é o mais rico
Maestro que a vida tem
Se ele começa a cantar
Os outros cantam também
Morreu com ele a orquestra
E lá se foi o vem-vem
A queimada é um refém
Da mão humana nociva
Mata por puro prazer
Sem deixar alternativa
Nem se importar de perder
O canto da patativa
A fauna só não está viva
Porque se mata sem dó
Silenciando pra sempre
O canto do curió
Nos roubando a aparência
Divertida do socó
Ninguém recorda o chochó
Nosso sabiá pimenta
Na falta dos periquitos
Que o girassol alimenta
O homem destrói a raça
Por sua ação violenta
Outra batalha sangrenta
Faz a gente desistir
Do colorido da arara
Do canto do bem te vi
Vendo o homem suicida
Aos poucos se destruir
Já não temos juriti
O João bobo e sua graça
Nem a postura elegante
Do desfile de uma garça
Banida desse planeta
Mercê de tanta desgraça
O progresso é ameaça
Com perfume de fracasso
Que baniu um passarinho
Bonito como o sanhaço
Até mesmo a asa branca
Já se mandou pro espaço
Na terra falta um pedaço
De vida dentro do ninho
Mal se fala em araponga
Assum preto e caboclinho
Papa moscas, trinta réis
Trinca ferro e bigodinho
Se perderam no caminho
O bicudo e o zabelê
Adeus mutum e marreca
Seriema até mais ver
Macuco, como araruna
Foi condenado a morrer
Nossos filhos vão viver
Numa colônia penal
E pagar por nossos crimes
Sem cometer nenhum mal
Fomos nós que cometemos
Esse crime ambiental
Não faça do seu quintal
Um reduto de crueza
Plante mais, liberte aves
Pra desfrutar da beleza
Pois o encanto da vida
É o canto da natureza
FIM