O Causo de um Lobisomem em Serrinha
Vou começar me benzendo
Depois explico a razão
Eu não sou assim medroso
Porém use de atenção,
Se benza com a mão esquerda
Que o caso é de assombração
Já houve cabra valente
Violento, sanguinário
Que enfrentava o diabo
Achando isso até hilário.
Ouviu de mim essa história:
Não larga mais o rosário
Certa feita, em Serrinha
Capital da Vaquejada,
Uma terra tão charmosa
Esteve desesperada
Quando por um lobisomem
Ela se viu assombrada
Foi aquele pandemônio,
Correria na cidade
O padre fechou a igreja
Com medo da novidade
Diziam que o bichão
Fizera barbaridade.
Tudo começou na noite
Pacata de São João
Sete senhoras andavam
Em direção ao baião
Quando viram a dita fera
Uivando na escuridão
Foi que seis delas correram
Uma somente ficou
Por mor de uma tremedeira
Que nela se apresentou
Foi a primeira merenda
Que o lobo abocanhou.
E só quem não tinha medo
Da criatura ferina
Era seu Israel Mota
Armado de carabina
Disse que matar o lobo
Seria então sua sina.
Chegou a televisão,
A história se estendeu
Seu Zé de Dario falou:
- O maldito me mordeu,
E a ferida só curou
Pois o padre me benzeu!
E Djalma também disse
Que ele fora perseguido
Correu que deixou o bicho
Muito fraco, combalido
Depois de tomar cachaça
Num botequim escondido
Declaração curiosa
Foi a da senhora Rita
Dizendo que o assombrado
Tinha voz muito bonita
Que o vira declamando
Seis versos pra Estelita
E até o amigo Rone
Que não gosta de mentira
Berrou que o lobo tocava
Uma moda caipira
E tinha como parceiro
Um filho do curupira.
Com isso o prefeito disse:
- Será bem recompensado
Quem me trouxer o tal bicho
Mesmo morto ou enjaulado
Tendo em vista que não posso
De tudo ficar parado
A cidade por inteira
Entrou em grande alvoroço
Queriam porque queriam
Fazer desse lobo almoço,
Coloca-lo numa grade
Ou decepar o pescoço
Foi imensa a correria,
Mas o lobo foi astuto
Era o tal velho de guerra,
O mais cismado matuto
Sumiu sem deixar um rastro
Querendo evitar o luto.
Israel então formou
Uma junta, um batalhão
Armados com carabina
Foice, porrete e facão
E com rosários benzidos
Pra vencer a assombração
E o batalhão formado
Logo na linha de frente
Tinha Israel comandando
Uma montoeira de gente;
Rone, Djalma e Dario,
Estelita também rente
A procura foi ferrenha
Durou quase uma semana
E o batalhão de caça
Por pouco ele não se dana
Encontraram o monstrengo
Na imagem de Santana
Acontece que da santa
O papão era devoto
Dario então gritou de longe:
- Bicho feio, lhe derroto!
O qual respondeu-lhe rindo:
- Com você eu nem me importo!
Dario foi correr pra cima
Pra pegar a criatura,
Mas ele só conseguiu
Como prêmio por bravura;
Uma tapa na sua fuça
Que deixou arranhadura
Djalma também tentou
Mas sua força era em vão,
Ninguém queria atirar
Na santa da procissão,
Rone velho ficou quieto,
E ninguém deu solução
Mas Israel que de besta
Só tem a cara e mais nada
Chamou a fera num canto
E propôs uma jogada
Que o tornou consagrado,
Uma figura afamada
- Eu lhe deixo ir embora
Pra sempre dessa cidade
Pois a nossa santa gosta
De paz e tranqüilidade
Não use de desrespeito
E sim de sagacidade
O peludo o acatou
Em respeito a Santana,
Era uma fera bravia
Mas não era tão profana
E a uma santa de nível
Nem mesmo o diabo engana.
Os gestos de Israel
Confundiam quem olhava
Ficou parecendo que
Ao bicho ele expulsava
Com a força do seu braço
E peso da sua clava
Por isso a fama ficou
Junto ao nome do homem,
Mas os gracejos do povo
Que a todos só consomem.
Ele ficou conhecido
Por Israel Lobisomem
Outras versões inventaram
Como essa que contei
Eu posso explicar depois
Pois todas elas eu sei
Mas nenhuma está errada;
Provas concretas achei:
A clava de Israel
Pesando uma tonelada,
Os versos pra Estelita
Em uma fita gravada
E a imagem da santa
Confirma, se perguntada.