MARIA JOÃO: UMA DAMA, UM VAQUEIRO

Nº 32 - MARIA JOÃO: UMA DAMA,

UM VAQUEIRO

Autor: Heliodoro Morais

O futuro é uma caixa

De surpresa e desatino

Que já está desenhado

Desde o tempo de menino

Cada vida tem seu mapa

Por isso ninguém escapa

Das manobras do destino

O caboclo nordestino

Criado no tabuleiro

É produto da miséria

Do nordeste brasileiro

O sofrimento lhe ensina

Que vai seguir sua sina

De ser um grande vaqueiro

Só terá por companheiro

A caatinga e o cercado

A casa no pé da serra

Milho e feijão no roçado

Asa branca, o bacurau

E a porteira do curral

Cheirando a merda de gado

O sol quente, escaldado

A cacimba do riacho

A sombra do juazeiro

O queijo quente no tacho

O mau cheiro do timbu

A flor do mandacaru

E a banana no cacho

É luta pra cabra macho

Em cima do chão rachado

Montado sobre o cavalo

Um alazão afamado

Que é o seu camarada

Nos pegas de vaquejada

E nas pelejas de gado

Se não bastasse o pecado

Dessa malfadada trilha

A vida reserva sempre

Uma grande armadilha

Na casa de Bastião

Nasceu Maria João

Uma beleza de filha

Tudo mudou na família

De Bastião e Zefinha

A filha, Maria João

Nunca gostou de cozinha

Mas vivia no terreiro

Dando uma de vaqueiro

Correndo atrás de galinha

A vontade que ela tinha

Era ajudar Bastião

Em tudo que ele fazia

Com amor e devoção

E de retalho em retalho

Dava conta do trabalho

Que nem um filho varão

Ela botava ração

Amansava burro brabo

Enfrentava barbatão

Puxava boi pelo rabo

Logo ficou conhecida

Como mulher destemida

Valente que só o diabo

Bastião ficava pabo

Vendo a filha no curral

Tirando leite de vaca

Ou ferrando um animal

Tratando d' uma bicheira

Pondo capim na cocheira

Com suplemento de sal

Entrava no matagal

Com sua roupa de couro

Dentro da jurema preta

Era uma dama de ouro

Perto de Maria João

O vaqueiro do sertão

Mais parecia um calouro

Não tinha medo de touro

Nem de novilha amojada

Se transformou na rainha

Das pistas de vaquejada

Em forró de gafieira

Fez subir muita poeira

No chão de terra molhada

Topava qualquer parada

Sem descuidar da beleza

Era a coisa mais bonita

Que se viu na natureza

Essa linda criatura

Tinha por trás da bravura

Um coração de princesa

Dona de muita destreza

Nunca deixou de ser dama

Foi com muita valentia

Que escreveu sua trama

Em todo lugar ganhava

E mais o tempo passava

Mais crescia a sua fama

Como todo mundo ama

Viveu o seu grande amor

Namorou um companheiro

Vaqueiro de bom valor

Também muito destemido

Lá no sertão conhecido

Pelo nome de Dodô

Era verdadeiro show

Dodô e Maria João

Aonde tinha peleja

De disputa de peão

Em qualquer festa pagã

Ela era a campeã

Ele, o vice-campeão

Em toda premiação

Seja no lugar que for

Toda a torcida delira

Quando diz o locutor:

Muita calma minha gente

Me escute atentamente

Que o resultado chegou

Maria João e Dodô

Senhoras e meus senhores

Demonstrando qualidade

E provando seus valores

Por puro merecimento

Recebem neste momento

O prêmio de vencedores

O único ramo de flores

Que se viu em vaquejada

Surgiu pra Maria João

Tantas vezes premiada

Por sua força e encanto

No mais longínquo recanto

Era muito admirada

A vida deu uma virada

Por causa de um acidente

Que matou a sua mãe

Deixando seu pai doente

Daquele dia em diante

O seu destino brilhante

Foi ficando diferente

Um mês e meio pra frente

Outro mal aconteceu

Seu pai que estava doente

Não resistiu e morreu

Por causa de tanta dor

Maria João e Dodô

Nesse dia não correu

Sua vida entristeceu

Abandonou o esporte

Perdeu a força e a fé

Desacreditou da sorte

Maria João derrotada

Viu Dodô na vaquejada

Mostrando seu braço forte

Porém o cheiro da morte

Impregnou o casal

Dodô caiu do cavalo

No chifre de um animal

Por causa dessa corrida

Dodô perdeu sua vida

Num incidente fatal

O juramento final

Que fez Maria João

Foi matar o animal

Que feriu o seu peão

Pois assim se vingaria

Depois jamais voltaria

Pra corrida de mourão

Numa festa de São João

Na fazenda Sacramento

No bolão foi encontrar

Aquele touro sangrento

Que feriu seu grande amor

Foi a chance que achou

Pra cumprir seu juramento

Ferida no sentimento

Pediu aquele animal

O boi já saiu pegado

Da porteira do curral

Seguiu firme sua marcha

Derrubou o boi na faixa

Num tombo sensacional

Armou um salto mortal

Arrastou a lambedeira

Sangrou o touro com raiva

Mas caiu sobre a peixeira

Ficou de luto o sertão

Morreu Maria João

A destemida vaqueira

Nas noites de sexta-feira

Se ver o boi assassino

Numa nuvem de poeira

E o repicado de um sino

E após, um triste gemido

Desse mito destruído

Por capricho do destino

FIM

Heliodoro Morais
Enviado por Heliodoro Morais em 20/08/2009
Reeditado em 20/08/2009
Código do texto: T1764147