Nº 29 - MATUTO NA CAPITAL PERDE O GOSTO PELA VIDA

O Chico era um matuto

Do interior potiguar

Um machão absoluto

De fazer palha voar

Só tinha um sonho oculto

Dar um passeio no mar

Sabia de ouvir falar

As coisas da capital

Casa de primeiro andar

Carro que só animal

Lancha no meio do mar

E muita água com sal

Tudo era especial

Na concepção de Chico

Pensou que na capital

Só pudesse morar rico

E que qualquer capiau

Só dava pra pagar mico

José um primo de Chico

Sabendo o seu ideal

Um dia arranjou um bico

Pro Chico lá em Natal

Pensou que era fuxico

Depois caiu na real

Até voltar ao normal

Ele não queria crer

Que seu sonho afinal

Estava pra acontecer

Dessa vez a capital

Chico iria conhecer

Antes do amanhecer

Ele pegou a bagagem

Viu o cobrador descer

Entregou sua passagem

O carro pôs-se a correr

Seguindo sua viagem

Com a cara e a coragem

Pegou a estrada de terra

Tudo era uma miragem

O sol, o verde da serra

Na mudança de paisagem

A viagem se encerra

Já está pronto pra guerra

E louco pra trabalhar

O seu instinto não erra

Sentindo o cheiro no ar

Ele abre a boca e berra

Na hora que ver o mar

Olha em volta devagar

Retira o chapéu de couro

Começa a caminhar

Achando tudo um estouro

Tem água em todo lugar

Mas não ver o sangradouro

Diante desse tesouro

Ele caminha na praia

O povo tem cor de ouro

A mulher anda sem saia

Que é melhor pro namoro

E pra cair na gandaia

Encontrou uma catraia

Num biquíni diminuto

Pôs a mão na samambaia

Alisou o cocuruto

O povo deu uma vaia

No coitado do matuto

Isso deixou Chico puto

Mas dali não foi embora

A mulher deixou o fruto

Com a metade de fora

Quem nunca viu cabra bruto

Vai encontrar um agora

Tirou a roupa na hora

Sentou perto da mulher

E lhe pediu sem demora

Pra fazer o que ele quer

Pensando que a senhora

Trabalhava em cabaré

Ela engatou marcha à ré

E disse: tenha respeito

Do biquini da mulher

Saltou a bola do peito

Vendo esse parangolé

A dona ficou sem jeito

Como Chico era direito

Não carecia vingança

Disse a mulher eu aceito

Que agi como criança

Quando lhe vi desse jeito

Pensei em fazer lambança

Tinha dentro da poupança

O cordão do fio dental

Sai um chumaço de trança

Da entrada principal

E bem debaixo da pança

Um troço cheirando mal

Pensou que um animal

Na tanga se escondeu

Entrou naquele local

Ficou doente e morreu

Devia está muito mal

Porque já apodreceu

Foi então que percebeu:

Não há motivo pra zanga

O lugar só tem ateu

E um monte de baranga

Com duas bolas de breu

E um barbudo na tanga

Um cabra passou de canga

Com jeito de afeminado

Um monte de bugigangas

No pescoço pendurado

E dois caroços de manga

No seu calção enfiado

Quando notou o veado

Passar no meio do povo

Com um short apertado

Que só um pinto no ovo

Tendo pra Chico piscado

Ele se zangou de novo

É na faca que eu resolvo

Esse tipo de besteira

Tentou arrancar seu ovo

Com a ponta da peixeira

O nego como era novo

Meteu o pé na carreira

Viu a jangada pesqueira

Tomada de caranguejo

Vendo aquela porqueira

Tentou fazer um gracejo

Aranha caranguejeira

Não é pão pra sertanejo

A fome abriu seu desejo

Pediu caldo de traíra

E um pedaço de queijo

Partido em duas tiras

Na força do saculejo

Da folha de macambíra

Meio frango caipira

Um tigela de canja

Veio sopa de embira

E um galeto de granja

Tudo era de mentira

Como careca de franja

É aí que Chico manja

Como aqui é diferente

Nem o pato com laranja

Nem outro prato decente

Que o povo aqui arranja

É como o cuscus da gente

O seu primo finalmente

Chegou para lhe buscar

Vinha alegre e contente

Viu Chico foi lhe chamar

Tendo que sair urgente

Correndo pra trabalhar

Cedo ao se levantar

Corria para estação

Depois tinha que pegar

Uma nova condução

Indo pra lá e pra cá

Com a marmita na mão

O capataz do patrão

Vendo que ele era manso

Mandou ficar no porão

Que tinha fedor de ranço

Chico comia no chão

Sem ter hora de descanso

Chico caiu num remanso

Sem saber o que fazer

Pensou em ter um avanço

Aumentou o seu sofrer

Lá no sertão, afianço

Era melhor pra viver

Tentando sobreviver

Ganhar dinheiro também

Trabalhava pra morrer

Dormia dentro do trem

Na hora de receber

Não lhe sobrava um vintém

Vendo que não se deu bem

Se tornou mais infeliz

Sem desejar a ninguém

Sofrer por ser aprendiz

Pois na capital não tem

Aquilo que sempre quis

Cortou o mal na raiz

Ao notar que se deu mal

Pra voltar a ser feliz

Voltou pro seu arraial

Nunca mais mete o nariz

Nas ruas da capital

Heliodoro Morais
Enviado por Heliodoro Morais em 27/07/2009
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