O ESPELHO E AS IMAGENS INVERTIDAS

Se me olho no espelho, esse reflexo

Do que vejo é de alguém que não conheço

As imagens me mostram no avesso

Qual o côncavo oposto ao convexo

Ver-me assim ao contrário é tão complexo

Mal entendo o que diz aquela imagem

Para o lado de lá não há passagem

Para o lado de cá não tem saida

No universo da coisa invertida

A partida é a volta da viagem

Jeito, gesto e a forma de linguagem

Entre mundos opostos, divergentes

São iguais, desiguais, tão diferentes

São reais, irreais, feito miragem

É o medo em contraste com a coragem

A palavra da boca, o mau conselho

A verruga na dobra do joelho

Sombra torpe de luz mal refletida

Os segredos ocultos desta vida

Não se mostram na frente do espelho

O coração constrito no meu peito

Debatendo-se em ritmo acelerado

Nesse mundo de lá muda de lado

Vai do lado esquerdo pro direito

O normal, anormal, não tem defeito

Corpo quente que treme em calafrio

Há distâncias extremas por um fio

E no canto onde mora o coração

Restam sombras, profunda escuridão

Se havia o amor, resta o vazio

O olhar que se fita em desafio

Tem o brilho mais forte no retorno

Sem disfarce, é real, não tem suborno

É juiz que condena a sangue frio

Quem diante do erro sucumbiu

E procura esconder o próprio medo

O espelho não guarda o seu segredo

Cada gesto forjado se repete

E a verdade de tudo se reflete

A mentira não logra o arremedo

Se no toque, do toque do meu dedo

O não ter sensações me apavora

A imagem que é vista cá de fora

É o algoz que me impele ao degredo

A estória real versus o enredo

Com o mundo postado em minhas costas

São diversas imagens sobrepostas

Que nada dissimula e nem esconde

O cenário real está aonde

Ninguém possa encontrar essa resposta

Essa luz sobre a tela plana, exposta

Vem do sol e o espelho lhe devolve

O clarão devolvido me envolve

Na verdade a mentira se encosta

E desenha o perfil da parte oposta

Negativo da vida e refração

Desse corpo posto em exposição

A imagem é muito mais sedutora

Ocupando o espaço, invasora

Do lugar do reflexo da razão

Qual miasmas do pós revolução

Pelos campos de guerra dizimados

A visão dos espelhos perfilados

Criam cenas de justaposição

Labirintos do nada, é ilusão

No esboço a paisagem é decadente

Uma mostra do meu inconsciente

Com vestígios da minha confusão

Faz o mundo andar na contramão

Através do espelho a nossa frente

A verdade, por si, é aparente

Ao olhar, nos parece invertida

Claridade sem cor, mal refletida

Que traduz uma coisa diferente

Cada eu verdadeiro está presente

No espaço marcado pela ausência

Confundindo, do ser, inteligência

Sem deixar nenhum fato escondido

Cada ato ou pecado é refletido

No espelho da nossa consciência

Heliodoro Morais
Enviado por Heliodoro Morais em 18/07/2009
Reeditado em 18/07/2009
Código do texto: T1705848