O DIA QUE O MATUTO FOI CONHECER A CIDADE

O DIA QUE O MATUTO

FOI CONHECÊ A CIDADE

Autor: Heliodoro Morais

Juvená era um matuto

Das banda dos cafundó

Pense num cabôco bruto

Feito cobra no quichô

Num dia êle namorô

E no ôto se casô

Cum Mariquinha do Ó

Criado como um mocó

Lá nos lajêro das brenha

Trabaia de só a só

De manhã faz a ordenha

Cherano a bosta de gado

Sua farra é o roçado

E as coivara de lenha

Sua muié ficô prenha

Cum doze ano de idade

Talvez purisso êle tenha

Que se mandá prá cidade

Pra buscá uma partêra

Dessas que num é roncêra

E que tem capacidade

Sem nunca ir na cidade

Nem sabê como ela é

Tá ino contra a vontade

Só prá buscá Isabé

Mariquinha ficô ruim

Num qué vê seu bacurim

Cedim batê catolé

Juvená foi de a pé

Às cinco da madrugada

Êle desceu o chulé

Numa carrêra danada

Pois decorô o camim

Cum seu cumpade Toim

Que cunhicia a istrada

Cum medo da bicharada

Meteu o pé no piçarro

Quano viu uma zuada

Tremeu e rolô no barro

Se meteu no mêi do mato

Perdeu um pé do sapato

Chorô quano viu um carro

Num tôco deu um isbarro

Rezô pra Santa Quitéra

E foi se iscondê do carro

Dibaxo d'uma tapera

Se agarrô na pexêra

Danô o pé na carrêra

Cum medo da bestafera

Num rancho sintiu tontêra

Parô cum a pressão baixa

Sentô na ispriguiçadêra

Nem assim êle relaxa

Veno uma televisão

Pensô qu' era um povo anão

Guardado dento da caixa

Prá retumá sua macha

Agradiceu o sujeito

Mastigô duas bulacha

Inda chupô um confeito

Andô mais de quato hora

Chega os cravo da ispora

Dexô pelado os rejeito

Deu aligria no peito

Quano a igreja avistô

Torre e cruz era dum jeito

Que paricia um tambô

Quano chegô na cidade

Se incheu de filicidade

Tirô as bota e entrô

O coração disparô

Sintiu uma coisa ruim

Numa loja perguntô

Pr'um casá de maniquim

Diz pur favô, seu Mané

Aonde mora Isabé

E pur onde é o camim

O corno do manequim

Era môco ou isquicido

Perguntô bem direitim

Êle num lhe deu uvido

O sujeito afeminado

Ficô num canto calado

Sem nada tê respondido

Foi na igreja murdido

Mermo no finá da missa

Viu o povo bem vistido

Chamô tudo de mundiça

Agridiu o delegado

Bateu num apusentado

E provocô a puliça

Meteu a cara ruliça

No mêi do vrido do hoté

Onde foi sabê nutiça

Da partêra Isabé

Veno o portêro fardado

Chêi de laço e de babado

Fez a vorta e deu no pé

Deu num bando de muié

Que fôro fazê chamego

No carro de picolé

Deu uma tapa num nêgo

Viu a frêra na igreja

E gritô, Deus me proteja

Dos dente desse mucêgo

Isfaquiô um burrêgo

Quano dobrô a isquina

Cortô a dobra do rêgo

No posto de gasulina

Onde um caba cabiludo

Dava água de canudo

Dum bicho inchê a tina

Perguntô dona minina

E esse bicho de ferro

Que parece uma butina

E anda sortano berro

Se fô bicho violento

Eu agarro esse nojento

Dô um pipôco e num erro

Dispôs eu mato e interro

Mas viu a muié falá

Nem é bicho nem é berro

É carro pra passiá

Juvená ficô cirmado

Veno o pé preto inrolado

Que tinha aquele animá

Dispôis entrô num lugá

Na hora da bebedêra

Era uns cabôco num bá

Que tinha no mêi da fêra

Bebeno e quereno briga

Rasgô três pela barriga

Cum sua faca pexêra

Derrubô trinta cadêra

E um armáro imbutido

Os copo da pratilêra

Dexô uns caba firido

Só fez cara de otáro

Quano avistô o vigáro

Infurnado num vistido

Aquele macho incardido

Mericia um mêi surrote

Pro mode usá vistido

E colêra no cangote

Partiu pra riba do pade

E deu porrada à vontade

Na cara do sacerdote

O pade deu um pinote

Rasgô a rôpa de moça

Teve mais dez cocorote

Que Juvená deu cum fôrça

Em menos de um segundo

Pegô o pade no fundo

E jogô dento da pôça

O pade disse me ôça

Eu só tem que me vistir

Cum essa rôpa de môca

Mode a igreja ixigir

Qué prá tirá os pecado

Dos caba dirmantelado

Se Deus do céu permitir

Juvená diz, tô aqui

Vim a partêra buscá

Minha muié vai parir

Num sei que bicho vai dá

Como se fose um incanto

Isabé gritô num canto

Se é purisso eu vou já

Foi assím que Juvená

Acabô cum a tremedêra

Incostô bem divagá

Num pé de tamarinêra

Daí se pôis a pensá

Mariquinha deve tá

Na maió das gemedêra

Êle apressô a partêra

Contô o seu pensamento

Nós vai levantá puêra

Vuá feito pe´de vento

Cum tanto chão prá andá

Pade Zé tem que arrumá

Prá nós um pá de jumento

Entraro de mata a dento

Num galope dismidido

O coitado do jumento

Chega fazía um zunido

Entrô em casa gritano

Na hora que ia entrano

O seu fío tinha nascido

Era um minino nutrido

Quato quilo e a metade

Sua mãe cumeu cuzido

Cum macaxêra à vontade

Eu nunca vi pelo norte

Um bruguelo sê tão forte

Ainda naquela idade

Fôro falá da cidade

Juvená foi dicidido

Num fale pur caridade

Purque dõi no meu uvido

Lá só tem caba safado

Uns anão incaxotado

E ôme usano vistido

Naquele lugá perdido

Só tem mintira e buato

Tá chêi de côrno e bandido

De jogá caça no mato

Lá eu num piso um minuto

Purquê lugá de matuto

É aqui no mêi do mato

Heliodoro Morais
Enviado por Heliodoro Morais em 14/07/2009
Código do texto: T1698302