SÁTIRA: CINDERELA É MARIA BONITA E O PRÍNCIPE É LAMPIÃO
SÁTIRA: CINDERELA É MARIA
BONITA E O PRÍNCIPE LAMPIÃO
Autor: Heliodoro Morais
Apareceu no sertão
Uma bonita donzela
Que vinha não sei de onde
Trazendo a família dela
Sua madrasta, a patroa
Com duas filhas coroas
Um bode e uma cadela
Se chamava Cinderela
Essa formosa menina
Tinha os olhos pintados
Com tisna de lamparina
Beiço melado de graxa
Alpercatas de borracha
Carregando uma tirrina
Ela fazia faxina
Pra velha, sua patroa
E parece que a velha
Não era uma peça boa
Pra receber um tostão
Tinha que fazer sabão
Com a filha da coroa
Pareciam duas broas
Já fora de produção
Eram doentes do mundo
Uma delas sapatão
Viviam com lenga-lenga
Fazendo papel de quenga
De jagunço e de pião
Com jeito de gavião
No chiqueiro das galinhas
Atrás de pegar os pintos
Da vizinhança todinha
O ciúme era medonho
Pois Cinderela era o sonho
Pela beleza que tinha
Cinderela, coitadinha
Trabalhava feito escravo
Guiava fogão de lenha
Amansava burro bravo
De dia lavava roupa
De noite fazia sopa
Sem receber um centavo
Um dia o velho Olavo
Chegou dando cangapé
Porque veio um cangaceiro
Com recado pra mulher
Quem não quiser confusão
Vá encontrar Lampião
De noite no cabaré
Isso porque ele quer
Uma mulher pra viver
Vocês todas devem ir
Que é pra ele escolher
De todas, a mais formosa
Bater dois dedo de prosa
Depois levar pra comer
Foi o maior canjerê
Por causa do cangaceiro
A casa velha de taipa
Parecia um galinheiro
Derradeira pá de terra
Pois naquele pé de serra
Nem galo tem no terreiro
Fizeram barba ligeiro
Usaram a roupa melhor
Chapéu de lã de carneiro
Lenço preso no gogó
Perfume rola de pobre
Um broche feito de cobre
Um cordão no mocotó
A madrasta botou só
O seu vestido de chita
Mandou prender Cinderela
No chiqueiro das cabritas
Com medo que Lampião
De cara pedisse a mão
Daquela moça bonita
A gente não acredita
Achando que é besteira
Mas apareceu do nada
Uma velha rezadeira
Viu a mocinha amarrada
Fedida, mal arrumada
Maltrapílha e labogeira
Soltou ela na carreira
Mandou lavar o xibiu
Passou um pó de morcego
Pra ela entrar no cio
E bulir com Lampião
Hoje a noite o capitão
Vai ver o que nunca viu
Cinderela se vestiu
Calçou um par de chinela
Botou ruge na bochecha
Montou num burro de sela
Cutucou o pangaré
Se mandou pro cabaré
Atrás de fazer novela
A velha falou pra ela
Quando o jumento rinchar
Pra mostrar que é meia noite
Tu arrede o pé de lá
Pegue o beco e vá embora
Ou Lampião lhe deflora
E não vai querer casar
Cinderela chegou lá
Já cansada da viagem
Lampião botou as filhas
Da velha na sacanagem
Quando avistou Cinderela
Subiu o nó da goela
Pensou que fosse miragem
Foi a maior fuleragem
Tudo virou bagaceira
Lampião e Cinderela
No forró de gafieira
Era uma chamego nojento
Um sarro tão violento
Que durou a noite inteira
Ela caiu na doideira
Quando escutou o jumento
Rinchando lá no terreiro
Um rinchado barulhento
Chega deu uma leseira
Meteu o pé na carreira
E entrou de mata a dento
Lampião meio embirrento
Teve raiva da boneca
Foi pro meio do terreiro
Alevantando a cueca
Pensando em fazer besteira
Arrastou sua peixeira
Pra lascar a perereca
Mas ninguém viu a moleca
Nem sabe pra onde foi
Com medo de ser comida
Pediu que Deus lhe abençoe
Correu feito uma cadela
Perdeu o par de chinela
Feito de couro de boi
Um cangaceiro depois
Achou o par de chinela
De número quarenta e três
Com arriata amarela
Entregou ao capitão
Foi o próprio Lampião
Quem foi correndo atrás dela
Convocou toda donzela
Porque sabia que a dona
Daquele par de chinela
Todo forrado de lona
Pintado com uma flor
É ela que lhe deixou
Chupando dedo na zona
Quando chamou a matrona
No casebre da madrasta
Mandou provar as chinelas
Lampião gritou: já basta!
Não pode ser dessas três
Que calça cinqüenta e seis
E o rabicho inda arrasta
Nisso Lampião se afasta
Pra espiar da janela
Avistou detrás da porta
O vulto de Cinderela
E chorou de alegria
Ao ver que seu pé cabia
Dentro daquela chinela
Lampião se agarrou nela
E disse minha cabrita
Você escapou de mim
Por causa de uma birita
Agora eu vi,m lhe buscar
Você passa a se chamar
Minha Maria Bonita
Essa história esquisita
Aconteceu no sertão
Foi assim que Cinderela
Se casou com o capitão
Viveu com o rei do cangaço
Mas não perdeu o cabaço
Nem deitou com Lampião