SABIÁ NO LIXO

Como eu moro na roça, interior

E tava sentido a saúde abalada

Fui na cidade consurtá um dotor

Para vê se dava uma miorada.

Levantei cedo, sol inda iscundido

Pra chegá lá arresorvê tudo e vortá,

Pois meu tempo tava promitido

Com a lida dura e sirviço a isperá.

Do jeito que andei tão cedo

O dotor num tinha chegado.

O portero do prédio paricia cum medo

Tava com o portão fechado.

Eu fiquei de fora oiano o povo passá

Uns correndo outros divagá.

De repente oiei na carçada

Um passarim, caçando o que cumê.

Oiei com a vista mais aguçada,

Até assustei quando pude percebê.

Me arrepiei cum tamanho capricho

Um bunito Sabiá catano cumida no lixo.

Fiquei com grande emoção

Passarim famoso e cantadô

Vivendo nessa cundição

Catano a sobra que arguém jogô

Viveno como cachorro vira lata

Curpa do home que dirrubô sua mata.

De repente vuô o sabiá

Posô na arve, num gaio mais em cima

E cum força cumeçô a cantá.

Pra mim paricia dizê que apezar da sua sina

O seu canto que era da mata e da campina

Agora era tamém da cidade onde ele tinha que morá

E cumê e bebê o que num tinha mais por lá.

Num sei se o seu canto era triste

Ou se era eu que tava amargurado

Se ele agardicia pelo que ainda existe

Ou recramava pelo que tinha acabado.

Nessa hora arguem me chamô

Avisano que tinha chegado o dotor.

J Ferreira

08-10-08