Introspecção
A água estava escura e imóvel, mas quente. Ela cabisbaixa pensa. E vê algo. Um dedo saindo esticado da água. Depois uma mão, um braço, uma cabeça. "Então, nesse mesmo dia, à muito tempo atrás, você nasceu?". Mexe a cabeça. No pequeno movimento a ponta dos cabelos encosta na água, se afasta encharcada. Uma gota cai da ponta do cabelo até a água levemente ondulante. Morde o lábio inferior. "Muito tempo. Está desgastada, enrugada&". Aperta mais forte. Apóia-se na ponta dos pés na borda da banheira e a encara. "Sei como é isso. Mas sou apenas uma sombra".
"Vou te contar uma história. Um dia ela morreu. Fim". Um dia... "E a sombra se desvaneceu. Todo dia você é um rascunho. Mas no último dia você é um trabalho pronto. As pessoas vão olhar, admirar, criticar, e esquecer".
Uma outra gota cai na água e a onda produzida arrasta a escuridão. Vê seus joelhos. "Odeio meus joelhos". "Até outro momento". A luz se acende e o reflexo na água ofusca seus olhos. Ela sai da banheira, coloca um casaco pesado por cima da pele e sai para as ruas vazias. Para na frente de um prédio, olha para uma janela, espera uma coisa. Não há luz. Dormem. Ela nunca chora, mas agora desejaria poder.
Mais uma noite de vigília. Sentimentos desesperados. Nostalgia cruel. Anos passados. Vida desperdiçada.