DOIS LOUCOS E UM LOUCO AMOR
Clésia olhou a lápide do marido por mais uma vez, o cemitério estava praticamente vazio, via-se uma ou outra pessoa circulando por entre os túmulos, talvez indo embora depois de visitar algum ente querido. Ela acompanhou com o olhar aquela retirada já no final da tarde e pensou em ir embora também, já passara um bom tempo ali reverenciando a memória de Saulo, que fora vítima de um acidente automobilístico há cerca de uns quinze dias. Em vida ele dizia que ela fosse visitar sua cova sempre que possível sem nunca imaginar que morreria tão cedo, com apenas trinta e seis anos, enquanto ela tinha vinte e oito apenas. Ela fez isso até esse dia, praticamente ia ao campo santo quase todos os dias, a saudade estava lhe matando. Estranhamente algo a fez esperar mais um pouco e ela ficou só ali naquele ambiente silencioso e triste. Sentiu um pouco de medo, mas conseguiu superar por alguns minutos e saiu.
Chegando em casa Clésia abriu a porta bem devagar, deitado no sofá Saulo perguntou onde ela foi. Meio sem jeito disse ter ido visitar uma amiga enferma. Já passava das seis da noite, depois de um banho a mulher preparou o jantar e serviu ao marido que sorvia uma cerveja. A noite esfriou e foram dormir cedo. Mesmo cansada não rejeitou o pedido de Saulo para fazerem sexo.
- Por que você age dessa forma? Sabe que gosto de você, Clésia, não precisa inventar essa história de que estou morto. Todos me vêem por aqui, na rua, portanto pare com essa encenação.
Ela apenas riu. Três anos haviam se passado desde que teve alta do hospital psiquiátrico, aparentemente era uma mulher saudável e sem nenhum transtorno mental, mas de uns tempos para cá simulou a morte do marido e mandou confecionar uma lápide em uma cova abandonada e dela tomou posse, pagava ao coveiro para que fosse bem tratada e a visitava freqüentemente.
Na manhã seguinte Saulo saiu logo cedo, percorreu três quarteirões até chegar ao cemitério onde ele estava "morto", adentrou tranqüilamente, foi até a "sua" cova, sorriu e dirigiu-se até mais a frente onde em outra cova existia uma lápide com o nome da esposa, ele afirmava categoricamente que Clésia havia falecido vítima de uma pneumonia. Ele também pagava ao mesmo coveiro para que tratasse bem do túmulo o qual tomou posse. Passou algum tempo ali e saiu, dirigiu-se a um ponto de ônibus e com a chegada do coletivo embarcou e saltou cerca de quatro paradas depois. Ali próximo ficava o mesmo hospital psiquiátrico onde Clésia havia sido internada. Com uma receita na mão pegou os medicamentos de que necessitava e voltou para casa. Em lá chegando a esposa o abraçou, beijou e disse:
- Foi lá, querido? Pegou seus remédios? Lembrou que foi lá que nos conhecemos quando você teve alta igual comigo?