Capitular

Me fulminas com teu olhar, do fundo do boteco acho que meu coração foi flechado, meço minha pulsação, meu coração para por ti, enquanto me tiras o fôlego, sopeso vaidade e vontade, dirijo-me a ti, que me fuzila com teu olhar de catrina que por pouco não me faz infartar.

Enquanto me miras de baixo para cima, amor e morte levantam-se lentamente da mesa ao lado, como quem têm algo a dizer. E o dizem, sem falar. O amor pousa a cabeça ao ombro da morte, que complacentemente afasta sua cabeça, ensaiando que convergem em motivação. Divergem em método.

O amor tem muito a dizer e as palavras ausentes se acumulam no vácuo, jamais se farão presentes, pois a morte já as conhece ao cabo, não precisa delas e apaga-as lentamente no cinzeiro já atulhado de bitucas e mazelas. Palavras perecidas de amor não cabem ali, caindo ao chão e lá ficando. Que assim seja.

Assim foi.

Com suas mãos ásperas o amor dobra seus trapos, enquanto com um dos pés puxa a bela e surrada mala, mas a morte afasta os panos.

Não há viagem.

A morte então não diz: desconheço começo, tampouco seria fim, venho de lugarnenhum, do tempoalgum. Minha intransigência é teu maior presente, sou a fornalha onde tu ardes, sou o solo da tua semente. Sem mim tu não terias propósito, prole e progenitora sou o rio da tua correnteza. Quando o motivo vence o medo, reza por mim, quando a raiva consome a inércia, acende uma vela em meu nome, quando o arrependimento sobrepuja a décima segunda badalada, entoa meu hino. Calma. Vai devagar, pois não temos tempo. Somos o agora e o nunca.

O amor dá um passo atrás, de forma convidativa pronuncia coisa alguma. A morte aquiesce, dá dois passos inseguros à frente e derruba sua cabeça ao ombro daquela, que cala: encosta aqui que eu te faço feliz.

A fumaça dos cigarros se dissipa minimamente. Teu ar gelado me desafia, o barman, limpando um copo sujo de batom com um pano extremamente limpo, me faz qualquer confirmação com a cabeça, sem dizer nada.

Sorrio e convido-te para fumarmos um cigarro lá fora.