O namorado de Priscila

A mãe de Priscila adorava seu novo namorado.

Priscila fora casada por cerca de dez anos. Conheceu o futuro marido numa livraria. Do primeiro contato veio o convite, do primeiro encontro veio o primeiro beijo. O beijo virou namoro e deste veio o casamento.

Foram felizes por sete anos. Depois desse período, talvez por pressões financeiras, talvez pelo peso do tédio no casamento, o marido começou a beber. Priscila fez o que pôde para reerguer o marido, mas depois de três anos e alguns meses de uma luta inglória veio a separação.

Sozinha há cinco anos, com exceção de um outro caso de curta duração, Priscila era caso de preocupação da mãe. Criada em outra época, com outra mentalidade, a mãe achava a filha ficava um pouco amuada às vezes, e que o motivo disso era a falta de um companheiro para dividir a vida. No fundo, a filha também sentia isso vez ou outra.

Domingo era dia de almoço em família. Priscila chegou, cumprimentou o pai e as irmãs e foi para a cozinha ajudar a mãe, que preparava a macarronada de domingo.

- Oi, meu bem. Já está tudo no fogo. O tomate não estava tão bom, falei para o seu pai não comprar mais nesta barraca, mas ele é teimoso. O Raul não veio?

- Quem?

- O Raul.

- Que Raul?

- Como assim, Priscila? Seu namorado!

- Que namorado, mãe?

- Vai me dizer que vocês terminaram? Gostava tanto daquele rapaz!

Sem entender nada daquela conversa e preocupada que mãe estive dando sinais de não estar batendo bem da bola, Priscila chamou uma das irmãs de canto e contou o que havia ocorrido na cozinha.

- É alguma brincadeira sua, Pri? Uma piada? Porque eu não entendi.

- O que você não entendeu?

- Essa sua conversa. A propósito, o Raul não vinha com você hoje?

- Mas que Raul?

- Ora, o Raul! Você está bem, Pri?

Durante o almoço o pai, a outra irmã e o cunhado também perguntaram sobre o namorado. Até os sobrinhos falaram sobre o tio Raul.

Perplexa com tudo aquilo, Priscila riu e quis saber qual o motivo da piada. Achou que havia alguma câmera escondida no local e que estava participando do quadro de algum programa de TV. Contudo, todos pareciam mais surpresos que ela. Ninguém mais tocou no assunto. A mãe ficou cabisbaixa e o pai emendou uma história para aliviar o clima.

Já em casa, Priscila enviou uma mensagem para uma amiga, contando o estranho episódio.

Como assim, miga?

Vc terminou com o Raul, é isso?

Abismada com a resposta da amiga, deixou o celular de lado. Não conseguia processar o que estava acontecendo. Não tinha namorado, pensou. Se tivesse, gostaria que não se chamasse Raul, pois era um nome de que não gostava. Raul? Quem, diabos, era Raul? Estaria ficando louca?

A semana havia sido normal até a quinta-feira. Neste dia, quando chegou no escritório, havia flores em sua mesa, com um bilhete junto. Pegou o pedaço de papel e leu o que estava escrito.

“Com amor, Raul.”

- O que significa isso?

- O que, Priscila?

- Essas flores em minha mesa e esse bilhete?

- Não sei. Um rapaz entregou logo cedo. Você e o Raul brigaram, foi isso?

- EU NÃO CONHEÇO NENHUM RAUL!

- Como assim, amiga? E o seu namorado?

- EU NÃO TENHO NAMORADO!

Irritada com tudo aquilo, jogou as flores e o cartão no lixo. Ninguém falou nada. Uma das colegas pensou em dizer algo, mas pensou que seria melhor respeitar sua dor. Afinal, nem todo mundo reage bem ao término de um relacionamento.

Terminado o expediente, Priscila decidiu ir ao cinema para relaxar; precisava se desligar daquela história sem sentido em que estava mergulhada. Estaria ela num reality show sem saber, uma espécie de O Show de Truman?

Chegou em casa à noite e cumprimentou o porteiro.

- Boa noite, seu João.

- Boa noite, Dona Priscila.

- Dona Priscila, Seu Raul passou por aqui faz uma meia hora. Avisei a ele que a senhora havia saído e se queria deixar algum recado.

- Você está brincando comigo, Seu João?

- Claro que não, Dona Priscila! Ele passou faz maia hora!

Priscila subiu para o apartamento. Não sabia o que fazer. Talvez estivesse sonhando. Olhou para o celular e viu uma mensagem de sua amiga.

Miga, tá td bem?

Vc sumiu depois de domingo, não me respondeu mais

Vc e o Raul se acertaram?

Me responde

Ou me liga

Estou preocupada

Não era um sonho, era um pesadelo. Havia mesmo um namorado, um tal de Raul, que todo mundo via e conhecia, menos ela. Lembrou então de checar as conversas no celular. Nenhuma entre ela e o Raul. Verificou nos contatos: Rafa, Raissa e logo em seguida, a letra S. Nada de Raul.

No dia seguinte não foi trabalhar. Avisou no escritório que não se sentia bem. Uma amiga uns pauzinhos e conseguiu encaixá-la numa consulta com um psiquiatra. Não sem antes perguntar se o motivo daquilo era o Raul e um suposto término de namoro.

O psiquiatra fez um monte de perguntas. Trabalho, alimentação, sono, traumas. Depois de uma longa consulta, não encontrou nada de anormal. Num certo momento Priscila se irritou, pois o médico parecia duvidar da história. Receitou-lhe um calmante leve, mais uns dias de folga. Talvez a causa de tudo fosse o estresse, disse-lhe o doutor.

Ao sair da consulta, Priscila não voltou para casa. Confusa e desanimada com aquela situação absurda, resolveu caminhar um pouco, para arejar as ideias. Sentou-se num banco no parque, ali ficou.

Um tempo depois apareceu um homem que aparentava ter uma idade próxima à sua.

- Desculpe-me interromper sua contemplação sobre o nada, moça. Você está bem? Parece um pouco triste.

- Está tudo bem. Só estou um pouco preocupada.

- Posso saber o motivo?

- Minha mãe sempre dizia para não falar com estranhos. Porém, nada pode ser mais estranho do que esses últimos dias.

- Posso me sentar?

- Sim.

- Esses dias foram malucos. Começou num almoço de domingo, com minha mãe. Depois não parou mais.

- O quê?

- As perguntas. Os comentários. Todo mundo falando sobre um namorado invisível.

- Namorado invisível?

- Ao menos para mim. Todo mundo falando sobre esse namorado, essa cara que eu estaria namorando, como se todo mundo enxergasse e soubesse dele, menos eu.

O homem arregalou os olhos e fez uma cara de espanto.

- Maluquice, não é?

- Sim, totalmente. Mas o que me deixou espantado é que passei por algo parecido a mais ou menos um ano atrás.

- Como assim?

- Todo mundo me falava sobre minha namorada, como se eu estivesse com alguém, mesmo estando solteiro. Fiquei maluco na época, cheguei a consultar um psicólogo e uma psiquiatra.

- É exatamente o que está acontecendo comigo!

- Depois eu deixei para lá e parece que as pessoas também se esqueceram dela. Mas até hoje não faço ideia de quem seja essa tal de Priscila.

- NÃO CREIO!

- O que foi?

- Eu me chamo Priscila.

- Você está de brincadeira!

- Não estou! Só me falta agora você me dizer que seu nome é...

- Raul, me chamo Raul.

Desde então Priscila e Raul continuaram se vendo.

A mãe de Priscila está feliz pela filha, mas no fundo, não gosta muito do novo namorado.