POR UM PEQUENO DETALHE...

POR UM PEQUENO DETALHE...

Não , êles não eram inimigos... na verdade todos os viam como amigos, numa união em que imperava a competição, eterna luta entre vontades conflitantes e, isso, desde o Jardim de Infância, no Maternal, no colégio infantil -- "primeiras letras", nos anos 50 -- onde se conheceram.

Ferdinando e Carlos comprovavam a teoria de que "os apostos se atraem" e foram crescendo juntos disputando tudo, cada coisa em todos os momentos, até namoradas. Acabaram sem nenhuma, as jovens se cansavam de ser joguete nas mãos dos imaturos, preocupados somente com suas vaidades de "machos Alfa".

Já adultos, a derradeira amada findou nos braços cheios de graxa do dono da oficina mecânica onde consertavam ou revisavam seus "carangos", o tradicional "Fusca" de "Nando Buzina" ou o recém-lançado DKW Vemaghette" do "Carlão Raio" porque, claro, não teriam ambos a mesma marca, isso era impossível no "universo de disputas" no qual viviam. Findaram no Campeonato estadual de corridas -- agora sendo filmado para passar na novíssima Televisão que o Brasil da Ditadura estava conhecendo -- na etapa final dele, ambos bem colocados o "ranking", "Carlão" precisando de 2 ou 3 pontos para vencer o rival e sagrar-se campeão.

"Nando" ganhou o apelido porque apitava a buzina a cada "avião", "uva", "sereia" ou deusa que via nas calçadas e "Carlão" porque disparava com sua moto "envenenada" pela cidadezinha, "como um raio", para desespero dos demais "choferes". Num glorioso domingo lá estavam os dois, entre os outros competidores na fila de partida, só com carros nacionais de várias marcas, num tempo em que "cinto de segurança" era a correia de um fiscal qualquer e nem capacete existia, mal e mal "meia cuia" sobre o "cocoruto". A partida se dava em 2 filas paralelas, a de carros num lado da larga pista e seus "motoras" no lado oposto, chave de ignição na mão, 25 ou 30 veículos enfileirados. Alguns entravam neles pela janela, nem se davam ao trabalho de abrir a porta, após o tiro de largada.

"Buzina", 1,60 cm de músculos e pulmão largo não conseguiria, mas para "Raio", fino e alto como poste, isso era "uma barbada", aquele cavalo favorito, no Jockey Club. "Nando", segundo na fila, demorou a fazer seu "Fusca" ligar, enquanto "Carlão" não teve problemas, a sexta posição e chegaram juntinhos na curva do fim da reta dos boxes, pista molhada pela chuva matinal, ainda "lisa".

Com 3 carros em linha, "Nando" perdeu o controle do seu, que bateu no do "Carlão", que "capotou" dua vezes, tudo registrado pelas câmeras do CANAL 100, o mais famoso da época, que enviava imagens para os cinemas do Brasil inteiro. O carro de "Nando", desgovernado, foi junto, findando atolado uns 10 metros adiante do DKW (lê-se "decavê"), no meio do capinzal com quase 1 metro de altura. "Carlão" saiu inteiro do carro, gesticulando furioso... "Buzina" estende seu braço em direção a êle e o "Raio" tomba duro no matagal, como palmeira velha no vendaval.

"MORTO COM TIRO FATAL", informam os Jornais, a foto do "Nando" enjaulado, sobre a manchete sinistra ! Berravam as letras colossais: "Assassinato na Fórmula TOURING CLUB", empresa da época que rebocava carro e fazia outros serviços ligados a êles.

A família, modesta, vendeu bens para contratar o famoso detetive Bechara Jalk, nome renomado. Partindo do princípio de que"Nando" era inocente, alguém naquele capinzal atirara no corredor... restava saber quem fizera o disparo ! O detetive examinou o local 48 horas depois... ainda havia óleo na pista, exatamente na curva, não fôra acidente, alguém contava com a derrapagem bem ali. O dono do CANAL 100, seu amigo cedeu os filmes da câmera instalada na curva. Num exame quadro a quadro do momento da morte de "Carlão" eis que outra figura no matagal -- 5 metros atrás de "Nando" -- aponta no mesmo instante em que"Buzina" o faz, um clarão prateado marca o filme e "Raio" vai ao chão ! Bechara faz cópia dos trechos filmados, que levou aos jornais e à Delegacia, libertando "Buzina". O pequeno detalhe mudara tudo !

Identificado o assassino, roupa de mecânico, restava saber de quem se tratava, numa conversa com "Nando". Sim, êle demitira semanas antes um mecânico que lhe furtara motor novo, para vendê-lo... pro "verme" do "Carlão", justo êle ! Interrogado, o mecânico confessou o crime, sem pestanejar:

-- "Mataria qualquer um... o "Raio" não lhe pagara "pelo serviço", aquele caloteiro desgraçado ! Mataria, se pudesse, o delegado que ía prendê-lo, o detetive que descobriu tudo e até o "retratista" que estava fotografando para um Jornal... íam morrer TODOOOS" !

Resolvido o crime, decidiu-se pela internação do sujeito num hospital psiquiátrico, traduzindo, manicômio, onde passou seus dias na Terra dirigindo "um carro imaginário" e a xingar os 2 corredores. Quanto ao "Nando", sem o amigo de disputas, sua vida virou um tédio só e nem queria mais saber de corridas... transferiu-se "com malas e bagagens" para o remo, iatismo onde, dizem, viveu falando sozinho. Achavam que também era caso pra manicômio !

"NATO" AZEVEDO (em 11/abril 2021, 5hs)