Noite de lua cheia

Frederic Daykin parou em frente à porta aberta do quarto do enteado, Daniel Brisley, e viu o garoto agachado no carpete, procurando algo na estante de brinquedos, junto à cama.

- E aí, campeão? Gostou do panda de pelúcia que comprei?

Daniel o encarou com apreensão.

- É muito legal, tio Fred... mas cadê o Tony?

- Aquele urso velho, todo amarrotado? - Desdenhou Frederic. - Mandei a empregada jogar no lixo!

A expressão no rosto de Daniel converteu-se em pânico; ele ergueu-se, de supetão.

- Não podia ter feito isso, tio Fred! - Exclamou.

Daniel passou correndo pelo padrasto, que apenas o acompanhou com os olhos, sem fazer menção de acompanhá-lo; sabia onde o garoto estava indo. O barulho da porta da frente da casa, abrindo e fechando, confirmou suas suspeitas: Daniel tinha ido atrás da lata de lixo, que havia estado na calçada ainda a pouco.

Mas, era tarde demais: o caminhão do lixo já havia passado. Daniel voltou pouco depois, desconsolado.

- Eu queria o Tony, tio Fred.

- Ursinhos são para crianças pequenas - troçou Frederic. - Um panda é muito melhor, você vai ver.

- Um panda não vai me proteger - replicou com desânimo Daniel, antes de entrar no quarto e fechar a porta.

- Não, não vai - murmurou Frederic para si mesmo, antes de afastar-se da porta fechada.

* * *

- Não gostei da sua atitude - declarou Frances Brisley ao marido, após chegar em casa àquela noite.

- Você viu o estado em que estava aquele urso de pelúcia - defendeu-se Frederic. - Era praticamente um amontoado de farrapos!

- Aquele urso foi presente do pai dele - atalhou a mãe.

Frederic a encarou de modo curioso, como se estivesse esperando pela resposta.

- Então, acho que estava mais do que na hora dele ter alguma coisa minha, para variar - respondeu em tom de desafio.

Frances apenas balançou a cabeça negativamente, cansada demais para começar uma discussão; foi até o quarto de Daniel e bateu à porta.

- Filho? Posso entrar?

- Não está trancada, mãe - respondeu lá de dentro o garoto.

Encontrou Daniel sentado numa poltrona, que em tempos ela usara para amamentação, à luz de um grande abajur de pé, a fonte de luz do aposento. Ele fechou um livro grosso que estava lendo, após marcar a página com uma tira de couro gasta.

- Imagino que vá querer o Tony de volta - disse ela, após fechar a porta e sentar-se no braço da poltrona.

Daniel balançou afirmativamente a cabeça, seus olhos brilhando na penumbra.

- Por favor, mãe.

Frances olhou para a janela do quarto, cujas cortinas estavam abertas. Num céu sem nuvens e sem estrelas, a lua cheia brilhava como uma moeda de prata.

- Se der certo, ele vai chegar aqui bem sujo, e ainda mais rasgado do que da última vez - alertou ela, acariciando os cabelos do filho.

- A senhora pode pôr para lavar, e costurar - animou-se Daniel.

- Sim, eu posso - admitiu a mãe, continuando a acariciar maquinalmente os cabelos do filho.

No enchimento de Tony, junto com a espuma, ela havia costurado uma mecha de cabelos do falecido marido. Isso, e mais os sigilos que desenhara no forro do tecido, eram os principais responsáveis pela proteção do garoto, quando ela não estava perto dele.

- Tony não deve chegar aqui antes do amanhecer - prognosticou Frances - e deve bater na sua janela, para que abra. Em hipótese nenhuma, faça isso; eu vou ter que desinfetar ele todinho, primeiro.

- E quem vai me proteger até lá, mãe? - Indagou o garoto aflito.

Frances ajoelhou-se no piso do quarto e abriu a última gaveta da cômoda onde eram guardadas as roupas de Daniel. Dali retirou uma peça de tecido amarelada.

- É a sua manta de bebê - explicou Frances. - Você vai dormir enrolado nela, hoje.

A manta de bebê, com os sigilos que desenhara em cada uma das extremidades, bem lembrava.

E amanhã, precisava decidir o que faria quanto a Frederic Daykin...

- [08-04-2021]