Maior Desejo
A noite estava cálida, baforadas de ar quente aumentava o mormaço sentido por Júlio. Acabara seu expediente, porém antes de ir-se passava em uma cova especial. Agachava-se e realizava suas preces, deixava uma flor e partia desanimado e triste.
Todas as manhãs eram iguais. Ao acordar, tomava um banho, vestia uma camisa regata branca e uma calça de sarja marrom e os sapatos pretos. Sua cama, bagunçada, passava o dia a sua espera. Enquanto Júlio partia desanimado para o cemitério.
Sempre ao chegar passava na lanchonete e tomava um café, forte e amargo; “para aguentar o tranco” dizia a garçonete, que já havia gravado a piada há anos. No vestiário, colocava o uniforme dentro do box; e sempre que era questionado sobre o humor respondia:
– Vida de coveiro não é fácil. – saindo logo em seguida, e jamais prolongava o assunto.
Naquele dia recebera o cronograma de serviço e notou que haveria sete enterros. Abriu bem os olhos para ver se leu direito e confirmou a primeira impressão. No mesmo instante sentiu um arrepio percorrer toda sua espinha. Suspirou e foi preparar-se.
Naquela noite, durante o seu banho ouviu um estrondo e assustou-se. Quando saiu do chuveiro do vestiário, ainda com a toalha na cintura e o corpo todo molhado, o arrepio o tomou por inteiro; Júlio olhou para os lados e subiu ao banco para olhar janela a fora. Nenhuma alma viva estava ali, sempre era o último a banhar-se e sair do cemitério, pois não gostava de ser visto pelos colegas. Um vulto passou por detrás do rapaz que virou ligeiramente, deparando-se com o box aberto.
Colocou sua roupa e saiu para a noite que o recebia inebriante. Foi até a cova cativa e notou que tinha algo de errado ali. Descobriu que o barulho ouvido fora gerado ali. As flores estavam espalhadas e esmagadas, a grade tinha sido arrancada e a estrutura detonada, pensou que alguém soltou uma bomba caseira ali.
Sentiu um ar gélido tocar sua nuca e virou-se abruptamente soltando um grito abafado e rouco. Apoiou-se na cova a frente para não cair e penalizou-se com a feição de tristeza que a causou. A via perfeitamente, linda como sempre fora. Rosto de porcelana, olhos de mel, cabelos negros longos, seios fartos e firmes, vestia um vestido branco cheio de ondas de tecido e rendas, com uma simples tiara na cabeça. Com um véu azul celeste sobre todo o seu corpo.
Lágrimas rolaram do rosto de Júlio. E elas circularam seu sorriso cheio e pomposo, vê-la novamente tornara-se o pedido diário daquele homem que perdera a noiva no dia do casamento. Júlio tinha suas têmporas saltitantes, os olhos molhados e brilhantes. Suava frio, porém sentia-se excitado com a presença de sua noiva.
– Por todas as noites eu o ouvi me chamar. – a moça tinha uma voz gélida. – Todas essas vezes eu quis atender ao seu chamado, porém não pude.
– Minha linda... – a voz embargou. – Eu não suporto viver sem você. Tenho passado os dias somente levando, sem ter prazer em nada.
– Sua felicidade ressurgirá, meu lindo. O seu maior desejo se tornará realidade.
– Como poderia? Se o meu maior desejo é estar ao seu lado?
A moça naquele instante esboçou um sorriso doce, fixou o seu olhar profundamente em Júlio e moveu-se. Jogou-se para cima de Júlio que ao abrir-se teve o espírito de sua noiva passando pelo peito. Logo seus olhos se fecharam, o corpo cedeu e o coveiro caiu de joelhos, tombando para frente.
Ao amanhecer, a garçonete estranhou o atraso de Júlio, jamais ocorrido. Os amigos no vestiário notaram sua ausência, passaram na lanchonete e confirmaram a falta do amigo, pois ele jamais iria trabalhar sem passar na lanchonete.
– Hoje o dia será cheio pessoal. – disse um homem de meia-idade engravatado. – Tivemos um túmulo saqueado ontem. Você virá comigo, para verificarmos os estragos. – disse o homem apontando aleatoriamente.
Os outros coveiros receberam seus cronogramas e seguiram seus afazeres. Quando os homens chegaram ao túmulo saqueado avistaram Júlio caído, os olhos fechados e os braços abertos, sua pele estava pálida. E o rosto formava um alegre sorriso.