AURORA

O Sol atinge seu rosto pálido. Ela sente cada parte de seu corpo aquecendo com o toque de calor fornecido. Sente o cheiro das árvores, das plantas, dos animais. Não está pensando nada. Apenas absorvendo o que é lhe dado naquele momento. O som das folhas caindo de uma árvore solitária lhe toma a atenção. A árvore está afastada das outras. É igual a todas, não entendia o por quê de ser plantada longe de suas semelhantes. Apenas esquecida.

Suas folhas caindo no chão sem parar. O som de galhos se partindo ficou mais alto. Parecia que estava lhe chamando, um pedido desesperado no meio de tanta beleza. Estava no lugar que deveria estar. Quieta, observando os detalhes de tudo aquilo que era ignorado.

Conseguia sentir tudo. As cores primares estavam fortes naquele dia. Um espetáculo de cores, no entanto estava nua de cor. Uma tela esperando para ser pintada. Esperando a sua vez...

A árvore estava se desfazendo. Aos poucos, folhas caíam, galhos se partiam em dois, seus frutos murchavam. Era seu fim. Estava sucumbindo. Não pertencia ali. Não. Nascera errada, indesejada, seca, oca. Tudo estava em silêncio, a respiração quase que inaudível e como um obturador de uma câmera, seus olhos se abriram para o mundo. Para o que um dia foi uma árvore, mas que agora eram restos marrons e verdes retorcidos.

As semelhantes pareciam em transe ou apenas não se importavam. Suas belas folhas balançavam com a brisa, pareciam conversarem em uma língua desconhecida.

De repente, as cores se foram no local da morte da pobre árvore. Nada mais. Apenas pó.

Ela levantou, passou despercebida por todas as outras, agora ajoelhada sob a terra esquecida, formava conchas com suas mãos enterrando-as nas cinzas daquele ser da natureza.

Ela jogou suas cinzas sobre si mesma. Se banhou com tudo que restara. As cinzas entraram em sua alma. Estava fazendo seu único trabalho: absorver a morte dos esquecidos, dos indesejados, dos estranhos, das aberrações e tornar-se um lar para todos eles. Não precisava do Sol. Seu interior era aquecido por palavras não ditas, mentes brilhantes, lindas criaturas abandonadas à deriva. Durante todo o percurso seu coração se alegrava, não por colecionar almas, mas fazer de si um lar dos esquecidos, onde ela mesma foi lembrada e nunca mais ignorada.

Ale Marques
Enviado por Ale Marques em 27/09/2019
Reeditado em 27/09/2019
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