OLHOS ASSUSTADORES

   A noite fria e silenciosa me fez mergulhar em um mundo de conjecturas, sentado em um antigo e confortável sofá eu apenas olhava através da janela entreaberta as árvores de um parque que ficava em frente ao velho pardieiro onde eu habitava há anos, tempo que não recordava de quanto seria, também não interessava muito, alí estava esperando que tudo terminasse da maneira que não me fizesse sofrer tanto já que com o peso da idade talvez não suportasse tamanha carga. Pensei em Joana, a mulher com quem convivi durante quase cinco décadas, hoje morando no céu com toda certeza por suas boas ações aqui neste ninho de cobras que é o nosso planeta.

   Ana, uma velha empregada, que Deus a tenha num bom lugar, foi testemunha de suas caridades no orfanato mantido por Padre Miguel junto a igrejinha onde ministrava missas quase todos os dias na sua cidade natal, situada no interior do Estado. Hoje, um homem beirando a casa dos noventa anos, doente e praticamente sem reconhecer ninguém, Padre Miguel vive no seu orfanato, agora também abrigo, rodeado de pessoas que ele ajudou a se manterem, é a famosa lei do retorno, felizmente uma vida que Deus lhe proporcionou enquanto aguarda a sua ida definitiva para o outro plano espiritual.

   Mas voltando a minha realidade, ao meu pensamento, mergulhado de corpo e alma nesse mundo onde costumo "visitar" nos momentos quando me sinto triste e sem ter no que pensar, vislumbro um brilho estranho por entre as árvores, brilho esse que não me recordava de tê-lo visto antes durante as minhas espiadas através da janela. Fiquei curioso e ao mesmo tempo assustado, um homem na minha idade, já tendo passado dos oitenta, é de se imaginar que possa temer alguma coisa de sobrenatural. O brilho parecia duas pequenas bolas incandescentes, melhor dizendo, parecia um par de olhos, ora avermelhados, ora amarelados, como a me fitarem. O meu medo foi aos poucos diminuindo uma vez que deduzi que aquilo não poderia me fazer mal algum e até estava me trazendo um certo conforto em minh'alma acostumada a me introduzir naquele parque quase escuro, cheio de árvores frondozas e que pouco se mexiam suas folhas com o vento.

   Eu costumava às vezes verter algumas lágrimas quando meu pensamento estava alí naquele lugar sombrio onde a luz dos postes pouco penetrava, até a luz do sol não conseguia iluminar os caminhos do parque dada a quantidade de árvores que no local existiam. Eu pensava muito em Joana, no seu jeitinho amável de me tratar, de me acalmar quando eu estava furioso por algum motivo, isso há muitos anos, coisa que no decorrer do tempo foi mudando, pois o comportamento dessa mulher era sensacional, ela sabia transformar a minha raiva em prazer, sabia como me deixar tranquilo mesmo em momentos difíceis, a mão de Deus agia através de suas mãos macias quando acariciava os meus cabelos já ficando brancos, eu a admirava demais, nunca me deu motivos para contestá-la, tinha uma mente perfeita para controlar qualquer situação por mais vexatória que fosse. Nunca deixei de amá-la, até hoje sinto o seu perfume e até a sua presença por dentro deste imóvel, um homem já velho e solitário como eu tem que agradecer a Deus todos os dias por essa vida tranquila, mesmo depois da partida de Joana. Não me deu filhos mas a sua presença foi o suficiente para sermos felizes por muito tempo, aproveitamos todos os momentos de nossas vidas dentro das nossas possibilidades, nada faltou além dos herdeiros, a nossa felicidade posso dizer que foi completa.

Aqueles olhos me assustaram logo de início, não sabia o significado dessa visão espantosa, o meu mundo imaginário passou a ser freqüentado por mais tempo, até durante o dia e não só nas noites tristes. E essas noites não mais foram assim desde que aqueles olhos passaram a me ver, eles me passavam uma tranquilidade que eu não sabia er onde vinham. Tristezas não mais invadiam a minha agradecida alma, apenas o conforto morava nela com o pensamento voltado para Joana.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 02/09/2019
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