NÉVOAS DA REALIDADE
Deixei o escritório por volta das cinco da tarde, estava cansado e resolvi sair mais cedo. O trânsito estava um caos, prá variar, mas consegui chegar em casa bem. Abri a geladeira e peguei uma cerveja, afinal era sexta-feira e eu queria relaxar. Depois de um bom banho e deixar a pança forrada, fui dar uma volta, fui a pé mesmo, não queria ir longe. Alí perto tinha uma praça e lá fiquei um pouco para disparecer e em poucos minutos surgiu Beth, uma garota que me paquerava, queria ter um relacionamento mais sério comigo, mas sinceramente ela não me atraía e eu ia levando na valsa. Ela sentou-se bem perto de mim, tencionava ir a uma festa e me convidou quando por alí passou e me viu. Conversamos um pouco e eu a cientifiquei da minha indisposição sem no entanto magoá-la. Nesse momento aconteceu o que eu jamais esperava, senti uma espécie de torpor e uma névoa se formou em torno dela, que começou a falar em tom agressivo, tendo sua fisionomia se transformado completamente. Vi chifres em sua cabeça, dentes afiados e sua roupa era outra, parecia mais uma túnica e na cor preta. Isso me assustou deveras, meu cérebro captou uma estranha mensagem que me orientava a me afastar dessa mulher, ela tinha planos de estragar minha vida. Ela vociferava alí e gesticulava muito demonstrando uma arrogância sem limites. Fiquei pasmo com esse estranho comportamento de uma pessoa que eu conhecia bastante, apesar de não ter cedido aos seus caprichos. A névoa então se dissipou e Beth voltou ao normal, tinha a mesma doçura de antes, mas meu coração, decididamente, pedia para me afastar dela.
O dia amanheceu, era sábado, sozinho naquela pequena casa fiquei pensando no ocorrido de ontem a noite, tomei meu café sem no entanto esquecer cada detalhe que presenciei de Beth. A moça que fazia a limpeza doméstica chegou e eu a deixei trabalhar, fiquei no jardim a imaginar sobre minha vida e o que ia fazer nesse final de semana. Dali dava para ver todo movinento da rua, carros em movimento, pessoas circulando e crianças brincando na praça. Novamente vi uma névoa se formar em torno das pessoas, vi criaturas disformes, algumas pareciam zumbis, outras riam demasiadamente ostentando seus chifres, faziam algazarra, gritavam como loucos, corriam de um lado para o outro entre os veículos que freavam bruscamente, tinham vestimentas pretas e longas, vi também anjos que procuravam inutilmente ajudar aqueles mais exaltados e isso me emocionou, cheguei a chorar vendo todo aquele sofrimento na minha frente, um verdadeiro horror. A névoa então se dissipou e tudo voltou ao normal, meu coração batia descompassadamente e eu pensava como seria possível aquilo, será que essas pessoas eram mesmo entidades do mal? O que estava acontecendo comigo? Seria eu um ser sensitivo para ver tudo isso que acabou de ocorrer? Meus olhos vislumbravam a mesma normalidade de antes, carros trafegando com toda tranquilidade, pessoas aparentemente normais caminhando para algum lugar, algumas me cumprimentando por me conhecerem e eu alí confuso querendo entender o que meus olhos viram.
Esse tipo de acontecimento se repetiu por inúmeras vezes, eu já estava até acostumado com isso, muitas vezes já esperava, tinha a certeza de que essa realidade cruel não podia ser contestada, mas eu tinha um certo receio de sair por aí comentando o que via, tinha medo de ser tachado como louco e acreditei piamente nisso, cheguei a conclusão que não somos todos normais aqui na face da Terra, que não estamos sozinhos como seres humanos normais, criaturas demoníacas estão do nosso lado nos fazendo companhia, nos induzindo para o mal, porém rodeados por anjos, mesmo em pequeno número, mas capazes de nos induzir para o bem e de nos proteger de muitos males próximos de nós.
Estava no terraço, um certo dia de sábado, aguardando que a moça da faxina terminasse o seu serviço, lia um livro de romance para deixar o tempo passar. Terminada a tarefa a moça se despedia de mim quando uma névoa a envolveu, vi perfeitamente um anjo usar o seu corpo para sorrir para mim e dar um tchau. Aquilo me aliviou profundamente, pelo menos aquela pessoa que freqüentava minha casa era um anjo que me protegia.