A Mulher Sem Mácula

[Conclusão de "O Detetive Transcendental"]

Quando o mundo clareou ao meu redor, vi que estava... bem, em algum lugar que não era Jérsei. O meu Pontiac bege e o Buick verde de J. jaziam parados no meio de uma vasta campina, pontilhada de flores amarelas aqui e ali. O céu sobre nós era de um azul descorado de outono, com nuvens esgarçadas nas alturas. Ao longe, montanhas azuladas pela distância, algumas coroadas de neve. J. saiu do seu carro, aparentemente furioso, e encaminhou-se diretamente para mim.

- Quem é você, e o que pensa que está fazendo? - Esbravejou, batendo no vidro do meu lado.

Ergui as mãos do volante e abaixei o vidro, tentando aparentar calma.

- Eu posso explicar - justifiquei.

- É bom ser convincente, ou vou deixá-lo aqui - ameaçou ele.

Tive certeza de que não se tratava de um blefe. Subi o vidro e abri a porta do carro.

Do lado de fora, soprava um vento frio e a relva sob meus sapatos era macia. J., que devia ser um pouco mais alto do que eu, cabelos cor de palha, encarou-me com os maxilares contraídos.

- Eu sou um investigador privado - identifiquei-me, mostrando minha credencial. - Fui contratado pela sua noiva para saber o que realmente faz nas suas horas vagas...

- Aquela imbecil! - Resmungou. - Se eu não precisasse dela...

- Como assim? - Indaguei.

- Fui encarregado de preparar o sacrifício de uma virgem para abrir definitivamente o Portal entre os Mundos, e H. é a pessoa escolhida - declarou, aparentemente mais calmo.

- A parte do sacrifício da virgem eu até entendo, - avaliei - mas como pretende fazer isso casando-se com H.?

- A lua de mel seria realizada aqui - retrucou, fazendo um gesto para abranger a paisagem em volta. - E, claro, ela seria sacrificada antes da consumação do casamento.

- Mas porque a complicação adicional de casar-se com H.? Não poderia simplesmente trazê-la aqui usando suas artes mágicas e sacrificá-la?

- Você não entende - redarguiu, mãos nas costas. - Há uma série de normas que devem ser seguidas. Pelas suas leis, através do casamento, eu me torno senhor de H., e daí, legalmente, posso fazer com ela o que quiser.

- Não é BEM assim - ponderei. - E sacrifício de virgens já saiu de moda há alguns séculos...

- Como eu disse, você não entende - disse J., cruzando os braços.

- De uma coisa eu entendo - argui, encostando-me no Pontiac. - E bastou olhar para H. para saber...

- Do quê? - Ele franziu a testa.

- Que ela não é mais virgem.

* * *

A porta do meu escritório abriu-se e por ela entrou a bela Srta. H., num vestido branco de cintura marcada.

- Tenho o relatório sobre o seu noivo pronto - informei, assim que ela tomou assento.

Ela não fez questão de apanhar o relatório datilografado.

- Não importa mais. Decidimos terminar o noivado.

E abrindo a bolsa que estava sobre o colo:

- Quanto lhe devo?

Recostei-me em minha cadeira de rodízios.

- Nada - respondi.

- Nada? - Inquiriu ela, sobrancelhas arqueadas.

- Estou precisando de uma secretária. Interessada? - Indaguei.

H. puxou um cigarro da bolsa e estendeu-o em minha direção.

- Quanto você paga?

Inclinei-me para a frente e acendi o cigarro.

- [28-04-2019]