A Saga do Chico - A Fila Continua Andando

Lá naquele imenso castelo, que fica num lugar onde o tempo não passa, as coisas continuavam acontecendo como de costume. Era lá que estava como sempre muito atarefado com o seu serviço, pois era ele o responsável por conferir aquela enorme quantidade de senhas que vinham sendo chamadas, um serviço que aumentava principalmente no período de carnaval no Rio de Janeiro, quando as pessoas perdem totalmente a noção do perigo e se entregam às bebedeiras e pegam seus carros para dirigirem alcoolizadas, o que sempre acaba em acidente com morte. É quando ele aperta com mais frequencia aquele botão vermelho e o número de mais uma senha aparece naquele enorme visor de chamada para os devidos acertos. Ele então verifica no curriculum vitae daquela pessoa, se a quantidade de pontos positivos alcançados por ela durante a sua vida terrena foi suficiente para ela ir para o andar de cima, ou se é direcionada para as profundezas.

Ele até cantarolava, feliz pela grande quantidade de pessoas que conseguiam alcançar a Glória Eterna. Foi quando um de seus fiéis colaboradores, o Rafael, chegou ao pé do seu ouvido e, com um sorriso maroto nos lábios, lhe confidenciou:

- Chefe; adivinha quem está lá no ‘rabo’ da fila, todo agitado, criando a maior confusão, doidinho prá te ver?

- Ah! Por este seu sorrisinho sarcástico até já faço idéia de quem seja... Respondeu Pedrão. E continuou:

- Você não vai me dizer que é aquele chato de novo; o Chico, filho da Esmeralda do Terço... Um cri-cri que não se cansa de me encher o saco querendo furar a fila:...

E Rafael caindo na risada confirmou:

- Ele mesmo chefe! Meus observadores ‘bateram prá mim’ que ele aprontou mais uma lá embaixo... E isto quando ainda estava se recuperando dos efeitos daquela última tentativa que ele fez, lembra?

-Claro que me lembro; ele já veio bater aqui umas quatro vezes... Da ultima vez quase que perdi a paciência, e acabei botando ele prá correr daqui...

-Pois é chefe, disse Rafael. E desta vez ele acabou deixando a coitada da sua esposa quase doida de tanta preocupação com a sua saúde; ela até ficou furiosa com ele!

E os dois riram a valer!...

- Mas o que foi que ele aprontou dessa vez Rafael? Perguntou Pedrão.

Rafael, ainda rindo muito, contou tim-tim por tim-tim, começando pelo ‘ensaio’ que ele havia aprontado lá no quintal da sua casa, quando quebrou o tornozelo em dois lugares, e não satisfeito ainda arranjou uma infecção generalizada, e tudo isso quando ainda estava se recuperando daquele ‘passa-fora’ que havia tomado recentemente, na última vez que tentou furar a fila.

- Sujeitinho insistente esse Chico, hem? Será que ele não toma jeito? Ele que não se atreva a aparecer aqui na minha frente novamente sem ser chamado, que eu boto ele prá correr de novo, e dessa vez sou capaz de dar-lhe um chute no traseiro. Será que ele ainda não entendeu que eu só vou chamar ele quando chegar o número da sua senha? Disse Pedrão.

Rafael comentou:

- Sabe chefe, às vezes eu até penso que ele gosta de fazer essas gracinhas só prá gente não esquecer que ele é “peixinho” do Mestre, que até deu a ele aquela senha especial... Será que ele está se prevalecendo dessa prerrogativa só prá ficar ‘zoando’ a gente, chefe? Pedrão coçou o queixo; franziu a testa pensando um pouco, e disse:

- Não; não vejo maldade nele, Rafael. Penso que ele é um cara muito legal, caso contrário, jamais o Mestre iria dar a ele uma daquelas suas senhas especiais.

E Rafael completou:

É, realmente também não creio que ele esteja se prevalecendo disso. Acho que é só sacanagem mesmo!

E os dois caíram na risada, continuando o seu trabalho, enquanto aquela interminável fila seguia o seu ritmo normal, conduzindo aquela multidão -cada um com sua senha na mão- rumo ao seu destino final...