CLEITON E O MILAGRE DE CLEIDE
Da janela de seu quarto Cleiton observava a rua, morava em um prédio antigo no primeiro andar e dali tinha uma visão privilegiada das imediações, a praça que ficava defronte, a escola pública do outro lado, a farmácia onde sua mãe comprava os medicamentos de que precisava, o pátio da feira no começo da rua, além do vai e vem das pessoas, algumas que ele bem conhecia e lhe davam um aceno quando passavam. Ele não se considerava uma pessoa infeliz por não poder caminhar naquela rua, passear na praça ou desenvolver qualquer outra atividade, suas pernas não ajudavam, teve um grave problema de saúde quando criança e hoje era um homem paraplégico, andava com muita dificuldade pela casa ajudado por duas muletas, sentia- se ativo porém para algumas tarefas domésticas e isso o incentivava a continuar vivendo ao lado de sua velha mãe, ele com seus quarenta anos e ela com sessenta e oito, apenas os dois naquele imóvel fruto de herança do seu avô, que se foi há muitos anos.
Tinha uma pessoa especial que Cleiton admirava apesar de não conhecê-la, era Cleide, uma moça de seus trinta anos mais ou menos, sempre passava pela calçada do prédio e vez ou outra dava um aceno para ele. Ela trabalhava em um orfanato para crianças que ficava a dois quarteirões dali, fato que ficou sabendo dias depois quando não mais a viu passar. Ficou sabendo seu nome depois que pediu a sua mãe para colher informações sobre a sua "amiga" e também onde trabalhava. Ela sumiu de repente, nunca mais havia passado para lhe dar um aceno, o seu sorriso discreto ficara guardado em sua mente, o que o levou a procurar saber do seu paradeiro. Porém a notícia que acabara de saber não foi das melhores e isso o abalou profundamente, ela havia falecido, uma doença cardíaca se instalou nela e o mal se agravou, sendo internada em um hospital da cidade, indo a óbito dias depois. Pela primeira vez Cleiton chorou por uma pessoa desconhecida, sentiu muito a sua falta, a sua passagem pela calçada do prédio o animava, principalmente quando lhe acenava, ela fazia isso numa ação de respeito, de amor ao próximo, o que aprendeu desde cedo e desenvolveu quando passou a trabalhar no orfanato onde existiam muitas crianças carentes.
Certa manhã Cleiton foi até a janela para olhar a rua, há dias que não fazia isso, ficara inconformado com a morte de Cleide, aquela figura que tanto admirava e que jamais voltaria a vê-la. Lamentou demais, mas nesse dia algo o impulsionou a ir até a janela, era uma determinação mental e ele prontamente obedeceu. Lá estava ele olhando a praça, a meninada se dirigindo para a escola, a farmácia onde a mãe fôra comprar remédios no dia de ontem, a feira livre de onde ela trazia frutas e verduras para o consumo, o vai e vem das pessoas, algumas apressadas, tudo estava como antes, só faltou Cleide passar e lhe acenar. Duas lágrimas caíram de seus olhos, em seguida mais duas acompanhadas de soluços, Cleiton não conseguiu se controlar. Fechou os olhos e encostou a cabeça na janela, pensou em fechá-la, pegar suas muletas e ir se refugiar em seu quarto, mas desistiu quando abriu os olhos. A cena mais impressionante que presenciou em sua vida passou a ser essa, a que ele jamais esperaria: Cleide passando pela calçada e acenando para ele. Seus olhos ficaram arregalados, seu coração bateu descompassadamente e num movimento involuntário correu para o quarto e se jogou na cama.
- Meu Deus, como isso é possível?
Falou isso ao mesmo tempo que lembrou-se das muletas. Chegara até o quarto sem elas e isso era um verdadeiro milagre, ele correra, o que era impressionante. As lágrimas cessaram de cair e ele levantou-se da cama, estava ali de pé vendo que as muletas estavam lá, próximo da janela e ele não as havia utilizado. Era um milagre. Caminhou até a janela, olhou para elas e depois para a rua, que já estava com pouco movimento de gente. Nenhum sinal de Cleide.