A Pena da Verdade

E tendo morrido Aseiohiamenti, compareceu sua alma perante o tribunal dos deuses, na Sala da Verdade. Levado por Anúbis à presença de Osíris e Toth, que secretariava o julgamento, o falecido foi instado a fazer sua confissão negativa. Convicto de sua retidão, Aseiohiamenti foi recitando ponto por ponto:

- Não menti, não prevariquei, não roubei dos pobres, não afrontei os deuses, não caluniei, não matei, não mandei matar...

A lista era extensa, e Toth ia anotando tudo cuidadosamente num papiro. Finalmente, Aseiohiamenti bateu no peito e exclamou:

- Sou puro! Sou puro! Sou puro!

- Isso vamos ver - comentou Anúbis, apanhando o coração do falecido e o colocando num dos pratos de uma balança de ouro, enquanto no outro colocava a Pena da Verdade. Para alívio de Aseiohiamenti, seu coração pesou menos do que a pena. Osíris virou-se então para os 42 juízes que acompanhavam o julgamento e indagou:

- O que me dizem?

- A medição foi válida, oh Osíris - responderam em uníssono.

- Muito bem, Aseiohiamenti, - declarou Osíris para o falecido - você acaba de ser declarado justo de voz e terá sua entrada no Campo dos Colmos franqueada, para uma eternidade de bem-aventurança.

- Fico-lhe imensamente agradecido, supremo Osíris, - replicou Aseiohiamenti curvando-se - mas, diga-me: no paraíso está à espera minha esposa Sanura?

Osíris, Toth e Anúbis entreolharam-se. Finalmente, Anúbis tomou a palavra:

- Olha, Aseiohiamenti, é chato eu ter que lhe dizer isso, mas a Sanura não passou no teste. Virou comida de Amut.

Aseiohiamenti cobriu o rosto com as mãos.

- Sem Sanura, o paraíso perde todo o significado. Peço-lhes que me deem a não-existência.

E assim, Aseiohiamenti deixou de existir. Da mesma forma que sua amada Sanura.

Houvesse um lugar de punição eterna entre os antigos egípcios, convenhamos que dificilmente Aseiohiamenti iria querer compartilhar a sina de sua infeliz esposa...

- [08-02-2019]