A criatura das Sombras
O Homem no Espelho
Começo de noite de uma sexta-feira, noite essa com vento forte e frio, saio do trabalho e volto para casa de moto. No caminho em meio a correria da cidade, em que todo mundo está desesperado para ir para casa, e vejo como estão correndo que nem para chegar em casa o mais rápido possível, uns pela periculosidade da cidade, outros porque estão atrasados, mas acredito que a maioria está querendo chegar em casa, porque os trabalhos esgotam a todos, presos em um sistema desumano e maldoso, no qual todos tem que se submeter, se quiserem sobreviver, como se fosse uma nova selva, o que a maioria chama de selva de pedras.
Mas apesar desse ritmo frenético de pessoas que só querem sua casa, no meio do caminho vou observando a cidade. Cada vez ela tem uma aparência diferente apesar de não mudar muito fisicamente, a não ser quando surge uma nova construção ou uma reforma significativa que chame atenção. Essa aparência só muda de fato de acordo com nossas emoções e o sentir da cidade.
Hoje a cidade estava como se fosse a primeira vez que a vi, passando por ruas mal iluminadas e mesmo as iluminadas, não eram um exemplo de iluminação pois os postes estão com aquelas luzes amareladas, que iluminam, mas não iluminam, e é desse jeito confuso mesmo e essa característica faz com que as ruas fiquem meio sombrias, como se algo surgisse das sombras para poder te levar para algum lugar desconhecido.
Pensando dessa maneira, pode ser mesmo qualquer coisa, um bandido, ou ser das sombras pronto para te levar para o outro lado, e assim sugar toda a sua energia vital e assim ter mais força no mundo humano, e se alimentar cada vez mais.
Tenho essa percepção se tratando de uma avenida principal da cidade que leva ao meu bairro, então imagino como serão as vias dos bairros mais pobres, em que realmente a falta de tudo e o perigo ronda a todo instante.
Tento não pensar muito nisso, pois estou pilotando a moto, e tenho que ter total atenção no transito, pois, a cidade em que vivo as pessoas, não dirigem muito bem e faz com aquele ele se torne mais perigoso do que deveria.
Finalmente chego ao meu bairro, como tinha imaginado nos outros bairros, o meu está muito escuro, agora não se faz algum tempo que está assim ou se é hoje. Seguindo adiante, tinha dois postes apagados, e justo na rua em que havia casas apenas de um lado da rua, do outro lado é uma reserva de proteção ambiental, ou seja, mata fechada, o que torna a rua mais escura do que o normal.
O que ao adentrar o bairro me deixa alerta, a escuridão também revela a sua beleza. Com o vento forte nesse ponto da cidade o céu já não está mais nublado e revela uma linda noite, o que me surpreende que depois que você enfrenta o medo quase sempre tem uma beleza inesperada.
Vou mais devagar para poder apreciar um pouco a aquela beleza inesperada, mas ao mesmo empo alerta, pois a realidade humana não é fácil e não posso ficar bobeando por aí, apreciando a natureza (mas que dá vontade, dá).
Chego em casa e entro rápido para poder guardar a moto, abro os portões de casa, com aqueles cadeados pesados, feitos para não serem violados – e agradeço por serem tão resistentes. Mas ao fechar eles pelo lado de dentro, sou invadido por uma sensação de segurança e conforto, mesmo que o portão seja de grade e que eu ainda continue sendo visível aos que veem de fora.
Entro em casa e penso finalmente em casa, e como se o corpo sentisse, ele fica bem mais leve, sem tensão alguma daquele mundo louco que enfrentou agora pouco, sem barulho, sem pressa, sem medo, e deixo minha mochila em cima da mesa da cozinha mesmo, e vou para a geladeira, beliscar algo, para tentar acalmar o monstro que ruge dentro de mim que é a fome.
Olho nos armários para ver se tem algo bom para comer e encontro um saco de bolachas, e vejo que ainda tem café no bule, vou para o fogão e esquento um pouco de café. Enquanto com aquelas bolachas com café, finalmente sento na minha poltrona em frente ao computador, e fico ali uns minutinhos esticando os pés recém tirados dos sapatos. Começo a sentir os primeiros sintomas da preguiça se manifestando em mim. Para não deixar que ela tome posse, termino de comer, e levanto e vou pegar minhas coisas para tomar um banho, pego a toalha e levo par ao banheiro, e ali tiro a roupa e me olho no espelho.
E foi ali parado olhando uns minutinhos naquele homem refletido, observo quase naquele momento parecia um homem completamente diferente, quase com um desconhecido. Aquela impressão me causou um pouco de desconforto misturado com medo. Mas era muito confuso, um medo misturado com outros sentimentos que não consigo descrever.
O coração começa a palpitar sem nenhum motivo aparente, e continuo a olhar aquele homem que aos poucos vai se tornando mais familiar. E vou notando que aquele homem é o produto da ação do tempo. Os cabelos brancos que começam a aparecer em um fio aqui, outro fio lá. As linhas de expressão que começam a ficar mais acentuadas.
Ao perceber que os sinais, são símbolos da minha existência nesse mundo, faz com que eu entenda o porquê da palpitação, seria o medo de envelhecer e o desconforto que a idade está caminhando, e que ainda tenho a falsa sensação de estar muito jovem, e pensar que daqui a pouco estarei contando os dias para a morte.
Falando dessa maneira, dá até a impressão de estar com o pé na cova, ou de estar desistindo da vida, só que é muito pelo contrário, tenho ainda uma vontade gigantesca de viver, e que ainda tenho muito para fazer e vivenciar.
Às vezes acho que é opor ter que lidar muito com o tempo, no caso de ser historiador, em que tão tempo, passa muito rápido, se for olhar na perspectiva do desenvolvimento da humanidade ou do ser humano em si. Mas a vida humana em si, unitária é um breve acontecimento. Aliás vendo do ponto de vista da historicidade, se for olhar de maneira cósmica, é um tempo muito pouco, apenas um breve instante.
Mas voltando ao reflexo, olhar aquele homem, também me fez ver que tipo de homem que ele menino se tornou e ter orgulho da luta que ele faz todo os dias. Foi neste instante, que aquele homem de início estranho, foi se transformando na imagem familiar de alguém que se orgulha da própria imagem refletida, com todos os defeitos e qualidade. Apenas um pouco fora de forma, mas isso não é tão importante quanto parece, o que me deixa ainda mais humano, e do mesmo jeito único e normal quanto todos os outros, que existem e existiram por aí.
Me sentindo super bem depois de todas essas sensações em apenas olhar em meu próprio reflexo, pego o celular seleciono uma música para poder conciliar com aquele momento. E ouvindo umas da minhas músicas favoritas entro no chuveiro, agora não pensando apenas em mim, mas como é a vida de cada ser humano, seja ele homem ou mulher em nossa sociedade e as vontades e anseios que todo mundo enfrenta para poder conseguir fazer e conseguir tudo que quer, em meio a uma sociedade injusta e hipócrita como a qual vivemos, e neste ponto sinto mais um pedaço de orgulho por ter os conhecimentos científicos e históricos para poder fazer uma análise e tentar pensar em formas de construir um a sociedade mais justas para todas aas formas de vida que aqui existem que temos que compartilhar. Mas entre o planejar e conseguir de fato fazer algo é um abismo muito grande, e as pontes que temos que construir para ligar esses extremos são nossas ações ciarias e no meu caso seria criar uma forma de ensinar mais efetivas em escolas e aos que já não estão mais, utilizar de novas ferramentas tecnológicas para poder dar acesso as informações para os mais diversos tipos de pessoas que aqui habitam. Ideias surgem e aos poucos vou pensando em formas de coloca-las em prática.
Mas isso já é história para outro dia. Termino o meu banho e fazer as coisas para poder terminar bem minha noite, e distrair um pouco a minha cabeça e me preparar para o dia seguinte.
Voto para a poltrona do meu computador e começo a ouvir músicas, então tenho a impressão de ser chamado, tiro os fones de ouvido e presto atenção para ver se realmente tem alguém me chamando.
Depois de uns vinte minutos tenho a mesma impressão, paro de novo com a música e tento ver se tem alguém me chamando. Então tenho a impressão de ver algo passando pela minha janela da sala, bem em frente à minha poltrona, um calafrio percorre o meu corpo, mas vou em frente e tento ver o que era. De imediato não vejo ninguém, e quando volto a olhar o monitor vejo passar novamente, e agora um pouco irritado resolvo abrir a porta, e vi algo passando pelo portão, mas não consegui ver direito, foi então que comecei a ouvir sussurros completamente bizarros, sons que nenhuma pessoa podia emitir, aqui gelou minha alma. Fiquei no cantinho tentando ver, mas a criatura que agora conseguia ver um pouquinho porque a luz dos postes estava ajudando um pouquinho. Era negro, parecia um veludo, que ao ter contato com a escuridão desaparecia e dava a impressão que a escuridão se tornava parte do corpo daquele ser.
Ele parou de se mover e ficou olhando diretamente no meu olho, e neste instante como se fosse hipnose, fiquei parado olhando fixamente para ele, e parecia que tinha criado uma conexão pois os sussurros voltaram a minha cabeça, mas ele estava longe, não tinha como ele estar falando pertinho de mim se eu o estava vendo de longe.
Aos poucos aqueles sussurros incompreensíveis, começavam a ter um pouco mais de sentido, pareciam que estavam formando palavras, e aos poucos estava tentando conseguir entender o que aquilo falava, mas era muito difícil de entender, e os olhos ainda conectados, comecei a entender o que falava, bem baixinho, ele chamava por um nome, e este nome ao conseguir compreender fez eu tremer as pernas, pois aquele nome era o meu.
Naquele instante eu não ia nem pra frente nem para trás, e comecei a pensar o que será que aquilo quer comigo. Então nesse instante que percebi que ele me chamando telepaticamente, pois ele respondeu algo diante da minha pergunta. Não respondeu o que queria, mas respondeu com outra pergunta.
Você consegue me ouvir? Sinto que estamos conectados – Disse a figura negra e fantasmagórica.
Ele repetiu algumas vezes, pois era difícil entender o que ele falava, mas percebi que estava ficando cada vez clara, e estva percebendo que estava entendendo melhor.
A sensação e indescritível, uma mistura de emoção e de medo, as pernas ainda tremiam, mas a adrenalina tomava conta do meu corpo, minhas mãos estavam quentes pela emoção. Mas senti um senti algumas sensações que não eram minhas, sabia que era externo a mim, era da criatura, uma sensação meio parecida com a minha, mas tinha ondas de fúria e crueldade, que ao mesmo tempo que nos ligava, me assustava.
Foi neste instante que um carro se aproximava, pois, vi o farol se aproximando, e a criatura não se assustou penas foi se afundando na escuridão e desaparecendo, sentia a presença da dela na escuridão, mas não conseguia ver nada, ela estava ali, em algum lugar, apenas observando. O carro passou, senti a presença mais longe, agora no meio da mata, continuava a sentir que estava me observando, mas já não ouvia nada.
Voltei para dentro de casa pensando e tentando digerir tudo aquilo que aconteceu ali no quintal de casa, ainda sem ter a mínima ideia do que aconteceu de fato ou sobre o que era aquele ser negro, ou ainda se aquilo era tudo real. Mas algo veio a minha mente, a lembrança de ter algo me observando de manhã em um dia de greve. Tenho certeza que era a mesma coisa, mas como não tinha certeza tentei esquecer o fato e voltei para dentro, fechei tudo, tranquei tudo. Aquela sensação de segurança que tive ao entrar em casa agora foi despedaçada e o medo do escuro e daquela criatura surgir das sombras era gigantesco, tanto que deixei todas as luzes ligadas, ao ir dormir, aliás tentar dormir.
Neste momento em que já estou deitado, meu companheiro chega, e pergunta por que está tudo ligado, e peço para ele sentar que vou contar o que aconteceu, conto tudo o que aconteceu. Ele ficou de boca aberta com o que aconteceu, meio não acreditando, e meio com medo, aliás mais medo do que descrença, então com mais alguém em casa consegui apagar as luzes e ir deitar.
E no meio da noite acordo do nada e olho para o relógio e vejo que são três da manhã, e isso já me dá um receio enorme, e tento voltar a dormir, olho para o lado, e ele dorme muito tranquilamente, e quando estava voltando a dormir ouço de fundo sussurros e sinto alguém no quarto.
Será que ele voltou? – Fico apreensivo
Ele volta a falar comigo, mas agora é completamente diferente de momentos atrás. E parece que a conversa vai se estender madrugada a dentro.
Então ele volta a tentar falar comigo.