Crianças

Três anjinhos conversavam na antessala do Paraíso. Eram crianças recém falecidas por tragédias que ceifaram suas breves existências, e esperavam pela vez de ter com São Pedro. Pequeninos que eram, mantinham a inocência infantil mesmo desencarnados, e dentre tantos assuntos pueris, acabaram por deter-se nas razões e valores de suas mortes. Risonho, um deles começou a falar:

- Morri afogado na piscina de um resort da Flórida… Era uma piscina linda, na sacada de um dos apartamentos mais caros do lugar. Tinha uma vista linda! Não havia forma mais valiosa de morrer: papai gastou $ 30.000,00 comigo só na diária!

O próximo, empertigado, respondeu-lhe na lata:

- Que isso… Você não viu nada. Olha só: morri num capotamento da Mercedes da família, enquanto viajava pelas belas estradas da Toscana… Era um carro lindo! Preto, blindado, brilhante, um painel enorme e cheio de luzes. Só nela foram $ 300.000,00!

Ambos riram entre si, impressionados com a contabilidade das ocorrências que lhes retiraram a vida. Voltaram-se ao terceiro e perguntaram, debochados:

- E você? Como foi sua morte? Foi cara…? - Desdenharam, pois o garotinho a quem se dirigiam era claramente miserável, a contar pelos andrajos que ostentava, bem como sua compleição humilde e subnutrida. Este prontamente lhes respondeu:

- Estava internado num hospital da Síria que foi bombardeado por uma potência estrangeira. Como todos tinham evacuado o lugar e me esqueceram lá, acabei por ser a única vítima fatal do ataque. Não sei se encontraram meu corpo, e nem se havia corpo para ser encontrado, pois o calor da explosão deve tê-lo destruído. Pelo que sei, é uma arma de ponta, um míssil de cruzeiro de uns $ 4.000.000,00, construído e usado com o propósito de matar muita gente… Porém, como fui a única vítima, posso dizer que todo aquele dinheiro foi gasto só em mim, tornando minha morte a mais cara.

Os outros dois meninos ficaram boquiabertos com a história. Sentiram-se envergonhados com a mesquinhez do que diziam, e chegaram à conclusão de que tudo não passava de vaidosa tolice. Em seguida, a porta do Paraíso se abriu e um velho saiu por ela, sorridente. Com um grande molho de chaves nas mãos, olhou para os meninos e disse:

- Parece que aprenderam mais alguma coisa hoje, não? E é o que era necessário. Podem entrar.

A visão do que havia detrás da porta encantou os garotos, que a adentraram correndo e brincando, felizes, esquecendo-se de tudo fora do regozijo daquilo que viveriam naquele momento e para sempre.

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 05/07/2018
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