Fora da caixa
Monólogo narrado por Dominic M.
Uma história de terceiros.
No final da primavera, estava eu na Ilha da Magia pegando uns dias de sol.
Me esbarrei com uma jovem de semblante pacato, firme e um tanto vago.
Sabe quando você sente que aquela pessoa já viveu mais do que deveria?
O curioso é que ela não aparentava ter mais de 30 anos.
Sentamos para conversar, e eu pensei que aquilo seria uma boa oportunidade de flertar, mas daquela vez precisei me calar para escutar seu desabafo um tanto sincero.
- Pois é Dominic. Quando nós vivemos mais do que o necessário, você acaba tendo bagagens extras de conhecimento, seja ele cultural, psíquico, comportamental, e sua raça me instiga.
Quando aquela jovem soltou a “sua raça...” eu logo pensei: não é daqui! Eu precisei rir de mim mesmo.
- Eu vivo as sombras. A luz da verdade incomoda demais as pessoas, se é que me entende. Continuou a jovem narradora de histórias. Sabendo o que sou, e os efeitos que isso gera quando eu me relaciono com sua gente, eu me esquivo dos relacionamentos interpessoais. Até que um dia, de forma curiosa, eu consegui fazer com que alguém se apaixonasse por mim, ou talvez pela minha sombra, vai saber...
Eu, Dominic, precisei coçar meus olhos. Eu não estava processando bem o que estava escutando. E ainda calado, fiz um sinal facial para que a moça continuasse.
- Me senti culpada e cruel. Aquele amor platônico estava ganhando forças mais do que eu previa, e nós duas vínhamos nos relacionando apenas por 3 dias por meio de textos. Como aquilo era possível? Com a culpa, precisei me revelar. Eu disse que eu vinha das trevas, que minha vida era uma montagem, e que se fosse possível, eu largaria tudo para poder ficar com ela.
O choque da notícia causou náuseas na jovem apaixonada por um avatar. Eu a segurei pelos braços olhando para seu rosto pálido que até parecia com o meu, e disse que eu não pretendia ir a lugar algum, se ela aceitasse a verdade nua e crua. Obviamente, uma jovem tão bonita e sedutora, havia de estar com alguém, foi quando ela disse: sou mulher numa sociedade machista e preconceituosa. Não posso me dar ao luxo de infringir estas leis, eu não sobreviveria, e não sei se conseguiria lidar bem com essa verdade. Talvez esse relacionamento não seja o bastante para que eu mude a minha história para fazer parte da sua.
- Nossa! Disse eu para a moribunda. Esse fora foi cruel.
- Isso não é tudo Dominic. Quando eu me revelei, eu me deixei exposta, o amor que ela nutriu no início da nossa relação, passou todo para mim. Sendo assim, eu passei a amar aquela criatura absurdamente linda e humana. Enquanto ela passou a me odiar. Na verdade, ela passou a odiar a veracidade. Então, uma guerra passou a ser travada, entre a verdade e a covardia. Ela começou a me cozinhar em banho-maria, enquanto ainda dormia com seu homem humano. E de tempo em tempo eu colecionava desejos por aquela mulher e suas cartas. Algumas vezes ela me correspondia. Não sei ao certo se era alguma mensagem subliminar de que ainda me queria, eu estava simplesmente perdida. Já não conseguia mais interpretar as suas palavras.
Um belo dia, depois que eu já havia escrito diversas cartas sem respostas, ela resolveu responder dando fim em tudo. Me rebaixou, me feriu, na tentativa de se esconder. Agora a única coisa que me restou dela foi o cheiro dessa cidade e o barulho dos meus gritos sufocados. Eu já tentei sair deste lugar, contudo algo me prende aqui, e essa agonia há de me engolir por inteiro algum dia, todavia, quando se vive uma eternidade, isso pode doer demais.