A Garota Pantone
Eu a reconheci, na saída da galeria de arte, e aproximei-me dela.
- Eu a conheço... sei que já a vi antes... mas não me lembro do seu nome. Você costumava vir aqui, fazer esboços dos quadros em exposição.
- Sim, sou eu mesma - admitiu ela, sorrindo. - Talvez não tenha me reconhecido porque a minha cor muda sempre. Sou mais conhecida como a Garota Pantone.
- Pantone... como no catálogo de cores?
- Sim, exatamente como no catálogo de cores. Quando eu cheguei aqui hoje, a minha cor era 67-6 C. Que é um tom de rosa suave, saudável... como o amanhecer num céu sem nuvens, antes que o Sol nasça no horizonte.
- E como define a sua cor, agora? - Indaguei.
- Agora sou 64-5 C, que é um bege bem escuro, quase marrom, rico e denso, com sugestões de nuvens de tempestade no verão.
- Você foi de um extremo ao outro - ponderei.
- E passei por todos os tons intermediários entre esses. A cor da minha pele sempre foi uma mediana do que meus olhos percebiam como sendo o tom predominante da população que me cerca. Eu posso ser mais clara pela manhã, e ir gradualmente escurecendo à medida que o dia transcorre. Ou pode ocorrer o contrário, e eu começar o dia como 75-7 C e à noite estar em 59-3 C.
- Como se a sua pele fosse fotossensível?
- Não desta forma, depende sempre de quem me cerca. A imagem não me agrada, mas já me compararam a um camaleão. O camaleão, todavia, se mimetiza do ambiente à sua volta. A minha referência é a cor de quem está ao meu redor.
- E não somente a sua cor se modifica... características secundárias também, como traços fisionômicos, cor e textura do cabelo... - avaliei. - Um camaleão não seria capaz de tamanho mimetismo. E você também não controla isso, suponho.
- Não, ocorre de forma totalmente autônoma e inconsciente. Posso apenas depreender as alterações que me ocorreram pela reação das pessoas... se são mais ou menos amigáveis.
- Dependendo do tom da pele?
- Dependendo se estão se vendo representadas em mim ou não. A transição de uma tonalidade para outra não é instantânea, e assistir ao processo em transição pode ser perturbador para alguns.
- Com qual cor você se sente mais confortável?
- Com aquela que represente a mediana das pessoas que me cercam. Torno-me anônima e me perco na multidão.
- Então, em última análise, é disso que se trata. Você deseja passar desapercebida e este mecanismo que não está sob seu controle, concretiza esse desejo.
- É querer demais, passar desapercebida num mundo onde o diferente provoca tantas reações de ódio?
- Creio que é bastante prudente... e seguro - avaliei.
- Bom, agora tenho de ir - despediu-se ela.
E, à medida em que mergulhava no fluxo de pessoas que enchiam a rua de pedestres, o tom de sua pele tremeluzia, ora mais claro, ora mais escuro, enquanto os mecanismos que gerenciavam a sua camuflagem se ajustavam e, gradualmente, chegavam a um consenso.
Pouco antes de dobrar a esquina, tive um último vislumbre do seu rosto, ao olhar para uma vitrine. Estava da cor do céu poente pouco depois do pôr do sol. Um céu de outono, sem nuvens.
- [08-06-2018]