O ASNO E A BORBOLETA
Certa feita, um asno que no alto de uma colina comia sossegadamente a relva orgânica do seu jantar, estancou de repente e, do nada, indagou aflito a si próprio quem ele era e se realmente existia. Como não conseguiu articular uma resposta convincente para o seu questionamento, resolveu dar uma voltinha para relaxar, pois aquela dúvida, surgida do acaso, além de tirar o seu apetite, o havia deixado bastante confuso e estressado.
Como era noite, foi descendo a colina a passo de tartaruga e logo sentiu uma vontade enorme de contar as estrelas do céu. Começou, então: uma, duas... treze — empacou! Cinco tentativas seguidas, e o máximo que conseguiu foi chegar a treze! — parece que não era muito bom com números.
Envolvido com as asneiras que supostamente pensava, o asno não percebeu o dia amanhecendo, tampouco uma borboleta colorida que pousara ali naquele galho do ingazeiro às margens do rio. Mas estava com sede. Então, aproveitou para beber um pouco d’água.
Quando se aproximou da margem do rio, ouviu uma suave voz que foi logo lhe dizendo: “Bom dia, coleguinha, seja bem-vindo ao nosso clube! Desfrute conosco esse dia lindo e primaveril. Finalmente, agora estamos todos aqui para beijar essas flores maravilhosas!”
O asno, então, percebeu a borboleta colorida e pôde constatar que, realmente, era primavera, pois à sua volta havia milhares de flores e pássaros e de outras tantas borboletas. Ele hesitou por um instante e, em seguida, tentando demonstrar segurança, respondeu que não podia se lançar àquelas flores, pois não era uma delas, que não fazia parte do clube das borboletas.
A anfitriã ficou surpresa e lhe assegurou que não tinha dúvida de que ele era, sim, uma borboleta, mas que, de qualquer forma, queria saber por que ele não se considerava, assim como os seus pares, um exemplar legítimo dos lepidópteros; — o que estaria havendo — perguntou.
O asno, demonstrando total insegurança, disse-lhe apenas que “Ora, colega, veja só o meu tamanho!”
Parece que a borboletinha praticava ciclo PDCA desde a infância, porque estava preparada para neutralizar qualquer reação negativa da besta. Nesse caso, ela disse bastante irônica que não era cega, pois era evidente a diferença de tamanho entre eles, mas que isso não mudava a essência dos fatos. Muito pelo contrário — continuou —, dizendo que tinha plena consciência de estar diante, não de uma borboleta, mas de um borboletão.
O asno até tentou um “mas e se...”, porém, rapidamente, a borboleta emendou o seu discurso com elogios aos atributos físicos do novo coleguinha, falou da felicidade que seria para o clube receber um elemento agregador de valores tão especiais como simpatia, capacidade de argumentação e rara inteligência. Não deu outra: o asno entrou pro clube.
Questionada, porém, pelo novo sócio sobre a sua incapacidade de voar, se isso não seria um fator impeditivo fundamental, a borboleta respondeu na lata: “Coleguinha, você ficará com o comando terrestre!”