Entrevistando um diabo moderno
Olha lá a guria fumando. Rapaz, mulher com tabaco é sensual demais. Fumo sexy assim também, posudo e indiferente, sou o único a fazer assim, que nem meretriz, mas não cobro. Enfim, como ia dizendo, já chego logo pedindo o trago, passando a fumaça no beicinho, escorrendo o céu da boca e tudo mais. Brincadeira. Não sou desses, mas fumo junto. Acendo o meu, ela o dela e seguimos reféns da madrugada.
Oi? Não. Frequentemente nada acontece. Minha graça é o tiro no escuro, sou apresentação de Jazz embaixo de néon fraco piscando, meu caro. Néctar impopular.
Falando em néctar, sabia que minha pele acorda igual porcelana após um porre? Pêssego mesmo. Largo o lençol todo suado, levanto, tropeço em mim até a privada. Ou vomito ou sento ou os dois, e no processo recapitulo a cantada tosca, a risada alta, que contei meu podre mais podre que o cheiro do banheiro em que me atraquei com uma moça sem nome. "Puta merda, nunca mais volto lá", normalmente repito esse mantra já no banho, pouco antes de ficar na posição da serpente tonta para beber água da torneira. Então olho no espelho e: Voilà! A faceta de um anjo. Vai entender. Por vezes penso que o álcool é mais um tipo de redenção que válvula de escape em si.
Como assim? O que eu acho de gay? Nada. Por quê tenho que achar algo? Quanto menos focinho a gente meter, melhor. Eles lá são anomalia para virarem objeto de estudo? E, na real, sou o capeta e vocês é que tem que se limpar. Aturar simpatizante forçando carinho e Neanderthal arrotando falsa moral de existência, deve ser um saco ser gay. Ah sim, por isso a pergunta, tu viu minha foto, aquela, beijando a trans, saquei. Não, não é montagem, e mais, levei pra casa, cuidei o fim de semana inteiro, umas das melhores fornicadas da vida. Sim, peguei, também, aham, também, subi sim, exato, desci também, bem gostoso, foi ótimo.
Minha libertinagem não é muito diferente da de vocês jornalistas, advogados e presidentes. Reis da hipocrisia. Nosso abismo se faz mesmo é nas realidades. Enquanto suas convicções se agarram aos fatos rasos, sou aberto às mudanças que o tempo impõe, homogêneo de dentro para fora, fundido à verdade que vocês só aceitam pela metade, sou filho da subjetividade, e é por isso que incomodo. Pois sou você olhando para si mesmo, só que mais de perto. E de tão próximo assim, quem é normal? O qué é normal?
Quer que eu prove? HAHAHAHAHAHAHAHA. Dói só de supor que somos frutos do mesmo inferno, não é mesmo? Mas se acalme. Vou desembaçar sua medíocre existência compartilhando de uma màxima, que no mínimo vai tornar as coisas aqui um pouco mais interessante:
Eu sou o diabo, sou você, e sou deus.
Respire, respire. Não precisa rogar ódio para tudo que é vivo, sente-se novamente, pegue do meu maço, irei te apresentar à suprema verdade. Coisa rápida, coisa linda, olha teu privilégio.
...
Deus, fumaça, cosmo, abraço, trovão, tempo, fogo, orgasmo, diabo, aurora, sangue, maconha, mormaço. Você.
Agora entende nossa ligação com o todo?