A superação do amor
Foi à roda de uma Lenita, contadeira de histórias, que ouvi esta, na sala da casa de vovó, numa noite mágica e fágica de 57 ou 58. E vai só o cerne, sem os floreios e minúcias:
Um casal de jovens apaixonou-se de tal forma que o casamento e o nascimento de uma linda criancinha, fruto do amor, foram as mais imediatas consequências.
Sucedeu contudo, que o homem precisou deslocar-se do seio do lar para executar um trabalho a léguas de distância. A paixão, nada obstante, não cessou, ao contrário, avolumava-se. E ambos convieram manter-se em contato por cartas, fazendo de portador um senhor honesto, presto, mas um tanto desavisado, passado.
Entre a remessa e a entrega fazia-se longa a caminhada, a requerer, inevitável, uma pousada. E justamente, onde a inveja residia, o emissário pernoitaria.
A estalajadeira, querendo destruir a felicidade alheia, teve acesso às missivas enquanto o velho estafeta repousava. E passou a lhes alterar todo o conteúdo.
A jovem mãe, incrédula, não conseguia entender como o amado passara a repudiá-la de forma tão cabal. E embora insistisse na crerça de outrora, que era a da felicidade mútua e plena, recebeu por fim - e cumpriu - a ordem de amputar os próprios braços...
Por fim, no desespero, com a linda criança no cangote, partiu para pelo menos uma vez mais rever o marido e lhe mostrar como se desenvolvia bem o fruto de seu amor original.
A meio caminho, coube-lhe atravessar uma arriscada correnteza, por sobre uma frágil pinguela. Não deu outra, exaurida, desequilibrou-se e sentiu a criança projetar-se de seus ombros rumo à fúria das águas...
No que fez menção para a recolher, sentiu, por milagre, novos braços ágeis, vigorosos, a lhe renascerem do torso e lhe possibilitarem salvar a filhinha do afogamento.
A inveja fora vencida. Estava de novo a braços com a vida. Comovida.
Fui dormir tranquilo.