ROSAMUNDO REZA AO MUNDO
Rosamundo vivia mordido dos descaminhos da sociedade burguesa da sua cidade: ainda vou derrubar aí uns seiscentos — ameaçava. Há muito, pão com manteiga lhe parecia uma meta inatingível, mas Rosamundo tinha uma arma...
A sua metralhadora era o seu facão. Rosamundo o amolava, obstinadamente, mas sempre cantarolando canções que ouvira da sua avó, quando existia avó, ou, ainda, quando existia avó e pão com manteiga...
O viaduto da Sé era uma espécie de triplex com vista para o mato. Ou mato, ou morro! — ameaçava Rosamundo.
Rosamundo nem era; Rosamundo na rua; Rosamundo não ria; Rosamundo não ia durar até a próxima primavera. Rosamundo...
— Rosamundo! — gritou-lhe uma voz que veio de dentro de si.
— Rosamundo! — a voz insistia.
Rosamundo riria, até, se antes a voz emudecesse. Antes, evidentemente, daquilo tudo começar, da sua revolta florescer diante das mazelas da municipalidade.
Um dia, porém, a rua anoiteceu e Rosamundo, surpreendentemente, riu. Ruíram, entretanto, os cheiros de uma chuva ácida, contaminada pelo chorume dos containers de lixo sobre a cabeça de Rosamundo abandonada no meio fio. Rosamundo! Rosamundo! Rosamundo...!
Ao amanhecer, um corpo acéfalo foi recolhido debaixo daquele viaduto por funcionários responsáveis pela limpeza urbana. Uma espada de plástico, daquelas dos desenhos do He Man estava encravada no oco do seu peito.