Esperança Inconsciente
Bastou uma breve pausa no meu trabalho para que eu caísse em um profundo sono e alguns minutos depois, eu me encontrava naquele lugar, como quem surge com vida em meio aos destroços de um desastre aéreo. Eu estava em um barracão de madeira. Mas não de madeira nova, recém cortada. Dava a impressão que aquelas tábuas estavam ali há séculos, talvez milênios. Ressequidas, estalavam juntamente como vozes em coro, como numa oração macabra. A penumbra não revelava muitos detalhes, mas notava-se algo opressor no ambiente. Tudo era sujo e pegajoso, não como as secreções de uma doença, mas como o desespero provocado por ela. Precipitava-se do teto um gotejar perturbador de alguma substancia impura com odor pútrido, e o piso colava à sola do calçado, o fazendo emitir sons asquerosos a cada passo. Eu sabia que deveria sair dali. Talvez algum item ou algum símbolo, ou ainda alguma palavra de alguma língua morta poderia ser a chave para o meu despertar. Em um dos cantos via-se a silhueta de um móvel, mais precisamente um gaveteiro. Hesitei por um momento em abrir aquelas gavetas, pois existia uma sensação agonizante naquele canto. Eu não queria o que estava naquelas gavetas, mas precisava pegar mesmo assim. Em cada gaveta havia uma face esculpida com expressões de sofrimento, talvez representando o significado do que se encontrava em cada uma delas. Já que naquele caso, qualquer alternativa seria uma má escolha, escolhi a com olhos cerrados e boca aberta, como num grito de dor eternizado alegoricamente. Dentro encontrei um papel velho e amarelado, despedaçado pelo tempo, sem nenhuma palavra escrita, mas sim, sussurrada. Ao desfazer as dobras escutei uma voz que parecia ser projetada através do éter e que falou sobre a escuridão em alguma língua antiga. Em um sonho, às vezes não se percebe os lados de cima, de baixo, esquerda ou direita, mas depois de ouvir aquele sussurro, eu sabia de alguma forma, qual direção deveria seguir. Depois de um centésimo de segundo estando inconsciente, me encontrei em outro lugar, onde apesar de não ver ninguém, eu sabia que não estava só. Nas paredes eu conseguia ver cenas das vidas de pessoas que nunca conheci. Não eram cenas quaisquer, eram momentos de tristeza, ódio e medo. Eu não queria ir adiante, mas era obrigado devido a minha consistência aquosa ou talvez gasosa, ser empurrada por uma brisa gelada. Estava impossibilitado de reagir. Continuando o percurso, cheguei a uma galeria por onde se estendiam mais de mil pequenas pontes de madeira amarradas por cordas, iluminadas precariamente por algumas poucas tochas. O odor úmido e ácido provocava mal estar. Naquele momento a brisa tornou-se quente chegando à beira do insuportável. Era incrível que, quanto mais enigmática a situação se tornava, mas claro ficava para mim o que eu estava fazendo ali. Eu estava atendendo um chamado de alguém. Não de alguém como nós, os mortais, mas de um ser perpétuo e antigo como a antimatéria. Ele havia me convocado ao seu plano. Apesar de ser uma pessoa comum, eu, assim como todos nós, possuo um dom natural do qual ele precisa pra existir, do qual todo o seu universo era composto. Trata-se da Esperança. Eu não estava ali à toa. Ultimamente a minha esperança estava muito minimizada pelas dores do mundo. Por falhas, decepções, fracassos, e isso afeta diretamente aquele frágil plano etéreo. Ao chegar ao salão central onde o ser se encontrava, fui instruído a me sentar sobre uma pedra que estava ali, cheia de musgo e rodeada de grama e pequenas flores. Estarrecido, eu olhava para aquele ser com uma mistura de medo, admiração e curiosidade. Nesse momento ele começou a falar em uma língua antiga, mas no momento era algo claro para mim. Então finalmente, após uma longa palestra, ele caminhou até chegar próximo o suficiente para falar em meu ouvido e disse – Acorde! E novamente eu estava no meu escritório, suado e ofegante. Notei que eu só havia dormido por três minutos. Eu não me lembro da mensagem, mas ela estaria nítida novamente assim que eu pegasse no sono outra vez.