O MISTÉRIO ALARANJADO E SANGUINEO

Separando suas laranjas em caixas, para venda no empório do centro da cidade, Jeremias, um homem forte de meia idade, percebe uma de estranho formato, parecia um coração, cor de laranja, casca lisa como às que plantava, resolveu levá-la pra casa, depois de seu expediente, para mostrar à sua esposa Lenita, uma filha do campo, já um pouco madura, mas, ainda vigorosa.

Jeremias gostou tanto, daquela fruta de forma diferente, que resolveu dizer para Lenita, que plantara especialmente para ela, seria um mimo mentiroso, mas, de coração.

Quando chegou a casa, cansado e depois de um belo banho, levou a laranja em forma de coração e a entregou para Lenita, cheio de amor. Ela agradeceu com muitos beijinhos, fazendo de conta que acreditava, na história que ele contava. Ambos ficaram curiosos para saber se por dentro havia alguma diferença também, cortaram então, a fruta e de dentro dela saiu um jorro de sangue, fedido e grosso, largaram rapidamente aquela coisa em cima da mesa e se afastaram. O odor fétido que saiu estava impregnando toda a casa, um cheiro nauseabundo, Lenita correu para pegar material de limpeza e um grosso saco de lixo e jogar aquela coisa estúpida fora o mais rápido possível, Jeremias a ajudava, quando eles perceberam o saco de lixo se mexer, o que seria aquilo Meu Deus!

Lenita e Jeremias se benzeram várias vezes, lacraram o saco de lixo e o arremessaram no pátio do quintal, de longe ficaram observando apavorados,  o saco de lixo se mexendo e se inflando, como se algo estivesse crescendo dentro dele, o pavor agora era enorme.

Num estrondo soturno o saco de lixo explode, deixando a mostra um ser baixo, gordo, vesgo, com a pele alaranjada, pernas e braços molengos cor de rubro sangue. Mudos de terror, Lenita e Jeremias, como que, paralisaram no tempo, inertes estavam, até mesmo suas vozes e pensamentos. Estáticos como postes, com os olhos petrificados e arregalados, sem reação nem mesmo, pra fugir daquela situação.

A criatura vai criando raízes penetrando afoita na terra fértil, se transformando em árvore, à frente de quatro pares de olhos estupefatos, o ser estranho alaranjado e disforme, vira uma linda laranjeira. A visão deles se apaga.

Lenita e Jeremias, foram internados numa sanatório psiquiátrico, como não possuíam parentes, um amigo de Jeremias que também trabalhava no empório, tomou conta da casa, enquanto esperava que eles melhorassem, pois em delírios constantes, eles ficavam repetindo, a mesma história absurda e nenhum medicamento resolvia o problema, estavam saudáveis de corpo, mas, a mente, não respondia mais, ninguém poderia acreditar naquele relato tão mórbido e confuso.

Depois de alguns anos, quase cinco, aproximadamente, a casa deles, foi colocada à venda e após sanarem-se as dívidas, o valor líquido foi destinado ao sanatório para a manutenção de Lenita e Jeremias.

Foi um jovem casal com dois filhos, que comprou a casa e pareciam muito satisfeitos com a bela laranjeira que dava frutos tão doces em seu quintal.

No sanatório, um casal de velhinhos, permaneceu, repetindo a mesma história insólita e absurda, por anos a fio, até o fim de suas vidas, o mistério da criatura alaranjada, disforme e sanguínea, se foi com eles, e a laranjeira continua frutificando suas frutas doces e saborosas.
 
Cristina Gaspar
Rio de Janeiro, 30 de maio de 2015.
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 30/05/2015
Reeditado em 30/05/2015
Código do texto: T5260514
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