Eu vi o seu filme *


       Uma vez eu sonhei com o futuro.
       Um parque. Uma grande roda de amigos. Música, danças, drinques. Você e sua camisa branca, seu jeans desbotado rasgado preferido, seu corte de cabelo preferido, sua turma preferida ouvindo uma nova banda preferida. Deitado na grama matizada de folhas secas, você apenas sorria, plenamente você, em meio aos seus, também deitados sob o dia juvenil – e em que eles pensavam? Por quem eles choravam no quarto? Que poemas escreviam em sua solidão? Que vida queriam ter escrito para si? –, mas você sorria. Ela veio, sua namorada com perfume de menta, e, deitando-se ao seu lado, o abraçou, recostando o rosto liso e corado sobre seu peito. Você sentindo alguns fios dourados acariciarem seu queixo com a brisa, como ela também fazia. Ela sentia as batidas do seu coração. As mãos dadas, as pontas dos dedos de ambos dedilhando entre si canções só suas. Você olhava através da imensidão azul, sentindo todo o cheiro, todo o canto, todas as cores, toda a vibe que havia entre o céu e a terra, e, então, transbordando oceânico como sempre soube fazer, levantou-se em meio à multidão de amigos, ergueu seu copo de vodca, abrindo os braços como o mergulho de um falcão, inflou os pulmões, empinou o rosto, os olhos úmidos fechados e um sorriso escancarado, sentindo os feixes de luz aquecendo-o, transpassando-o, e bradou com todas as forças: “EU TE AMO, VIDAAA!!”. Alguns também ergueram copos e garrafas de whisky e urraram brindando também, outros se assustaram – mas quisera eles fazer mesmo –, mas o certo é que todos tiveram a súbita certeza – seus amigos, as garotas que te flertavam, sua namorada suspirante, o tempo – de que se lembrariam de sua iluminação urbana, de seu koan para a vida toda, e, para onde fossem e quantos anos se passassem, eles nunca se esqueceriam de seu uivo cósmico, porque ouviram a voz do próprio universo manifestando-se em você naquele momento místico e único. Ali, de pé, em meio aos seus, você era um sol para eles e radiava sobre o futuro de todos, aquecendo aquelas esperanças juvenis, descompassando aqueles corações adolescentes, toda aquela dor e sonho adolescentes, despedindo-se de serem adolescentes. Para trás ficaram os carrinhos, a caixinha dos dentes de leite, as cartinhas, os joelhos ralados. Ali, naquele instante, eu sabia que não precisava lhe dizer mais nada, lhe ensinar mais nada. Você havia virado a curva do rio. Era o seu filme agora. Então, também eu preenchido de tudo – de você e de mim – acolhi um raio do seu sol e espetei-o em meu peito. Aí eu acordei. Eu havia visto um futuro de jeans, de certezas, de menta, de koans, de um mundo novo. Eu sorri satisfeito, porque tudo ia bem. Tudo iria bem. Eu sorri, plenamente eu.

Publicado em “Mulheres e seus amores”, disponível aqui em formato E-Book.
 
Vitor Pereira Jr
Enviado por Vitor Pereira Jr em 20/05/2015
Reeditado em 28/07/2021
Código do texto: T5248679
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