Torres fêmeas
Aquelas duas altaneiras mangueiras, que a gente tratava por pés de manga mesmo, tinham que ter certa cumplicidade para terem vivido e crescido juntas por tanto tempo, e sobre todas as outras árvores. Menos o pé de cambuí, esse sim, era um varapau sem fim. Mas quem é que dava bola pra ele, que não dava frutos, ninguém trepava e além do tronco sua ramagem se restringia às grimpas. Dava biroscas, aquelas chapinhas fininhas, e a graça delas durava pouco.
Já as mangueiras... quando vinha a estação, e até fora dela, seus pés eram sedução, vide a trepação. Mas assim como eram bem simétricos, eram ambos muito distintos: um de manga pequi, a pequenininha, docinha, cobiçada; já o outro, era da comum, cheia de fios, até um tanto enfarosa. E que ficavam presos nos dentes, bem antes do fio dental...
Curiosamente, entretanto, era o comum o mais visitado, o mais trepado, mais domesticado. A casca grossa, rugosa de seus galhos, e até a sua angulação mais suave, facilitavam as subidas, descidas e alguma manobra mais atrevida. Já o pequi... ah, nesse eram poucos os que ousavam subir. Mais denso, de mais lisa casca, parecia um convite ao pecado, mas arriscado. E como já eram árvores envelhecidas, as frutas já iam ficando raras, cada vez mais distantes, nas pontas das varas...
E foi do pequi que vi dois meninos caírem. Não chegaram a ser fatais as quedas, contudo, só o barulho de um corpo ao chão, dá engulho, é palavrão. Um deles rachou o coco, e não se foi por pouco; já o outro, que caiu entre dois mourões de cercas, apenas quebrou um braço, e ficou mais doido do que costumava ser. Mas perdeu o gosto por mangas. Até as meninas, passou a preferi-las sem mangas.
E a urbanização veio atroz, limpando tudo, ganhando terreno e transformou aqueles dois gigantes de antes em tanta lenha, para queimar quem sabe e arde, até o Messias de novo chegar, inda que mais tarde.