A LENDA DA FLOR DOS OLHOS

Reza a lenda que toda reza tem profundidade suficiente para fazer emergir os mais distantes e obscuros desejos. E quando a súplica é bem aplicada, os deuses não conseguem negá-las. A mulher fechou os olhos para não provocar a denúncia dos fatos. Mas, em seguida, os abriu, sem forças para segurar a condição inevitável dos acontecimentos. Assim revelou todas as dores da noite que foi anterior àquele dia sem som, vasto, íngreme, escarpado, infértil e sem cheiro de flores. Sim, flores. Pois são floridos os dias de alegria. Assim como são perfumadas as madrugadas dos amantes. Como tem leveza a natureza dos espíritos livres, esses seres que passeiam pelo mundo sem o desejo da matéria. Homens desapegados. A flor nos olhos da mulher estava por detrás da retina. Dentro de um vaso, em parte quebrado, significava uma janela discretamente aberta para o mundo das noites anteriores. Surgiam como um turbilhão de desejos de liberdade. Assim, era possível enxergar um pobre moço curvado, lampejando dores miseráveis, e sem tom de voz para arrefecer os sentidos. E ficou durante todo aquele dia à espera daquilo que não apareceu. E, mesmo depois que os olhos da mulher se fecharam, continuava o homem acocorado com pensamentos de dores. E aquela imagem não se desfez durante muito tempo e, até muito tempo depois de outros dias que vieram.

Reza a lenda que todo olhar profundo busca a racionalidade. E que são as súplicas desse mesmo olhar que possibilitam o alcance do produto inanimado da emoção. Diz-se que é bem no fundo das coisas que se encontram as marcas dos espíritos livres. Dos seres que passeiam pelo mundo em busca de acontecimentos. E que foi por isso que a mulher olhou o homem tão fixamente enquanto este lhes contava a história da noite anterior. Lhes detalhava o momento mais aflitivo de sua vida reclusa. E disse-lhes que ficou à espera de uma visita que não apareceu. E ainda falou, enquanto a mulher lhes fitava os olhos, que as noites ali não tem perfumes. Naquele lugar não há como nascer flores. E que se flores houver, serão magnólias pálidas e com cheiro de ranço.

A flor nos olhos da mulher, que tinha uma reza por detrás da cortina dos olhos, tem uma coloração que transforma a retina em oração para os homens aprisionados. É por isso que, enquanto eles conversam, eles se olham tanto. É assim que se reza quando os dias estão sem perfumes. Para que nasçam flores e a alegria retorne. Assim é a lenda da reza. A lenda da flor dos olhos.