A TEMPESTADE
Grãos de areia começaram a pousar sobre a toalha da mesa que estava ao sol. Bagaços de palha e gravetos de pequenas plantas, espalhados pelo ar, coloravam o ambiente onde crianças brincavam desregradas. E pulavam de um canto para o outro, caiam, empurravam, tapavam os olhos e sorriam. Um amontoado de folhas perdeu a liga e, numa rajada de vento, foi espalhado pelo ar. E subiram tanto que não se pode imaginar para onde foram, que destino tomaram, em que canto do mundo caíram. Era um princípio de tempestade que desmontou todo o equilíbrio da rua, levando suas coisas pequenas e soltas. Alguns objetos pesados, os mais firmes no chão, simplesmente tombaram. E ainda alguns não se envergaram. Não se curvaram, nem mesmo quando o vento botou mais força e, mais força ainda. O povo conta que uma dessas paredes antigas, porém sólida, sofreu muito com a pressão atmosférica. Rachou e foi condenada à queda.
A lembrança é uma gota colorida que cai e mancha o papel em branco. Quando toca a textura absorciva real, altera subterfugiando a ficção emotiva e deixa o todo lúgubre, aparentemente lamentoso. A imagem em tom sépia vai se proliferar. E não adianta a mão supersticiosa da razão esbravejar que pare. Os olhos sangram e a emoção vaza, se derramando para o obséquio do mundo. É assim que o ser chora.
O vento forte que varria a rua forçou a janela até quebrar a tramela. Entrou e, com fios que pareciam braços, rasgou o ar interior da casa compondo uma desarrumação esquizofrênica. Em poucos minutos todas as coisas pequenas e móveis foram escapando pela porta dos fundos, que o mesmo vento forte também arrebentou. E muitas destas pequenas coisas jamais compuseram novamente o ambiente daquela casa. E aquilo tudo era uma tempestade. A mulher estava encolhida em um canto, protegida do vento, observando seus golpes e suas investidas pesadas. E, daquela forma, ela bem parecia uma folha de papel em branco manchada pela cor que pinga da lembrança e deixa as vidas lamentosas.
Logo a imagem, em tom sépia, se proliferou pelos espaços pensados. E ela podia ver seus filhos partindo, com suas histórias, suas razões e os seus sentimentos. E a sua família sendo devastada, decomposta, desarticulada, desvanecida pela força dos acontecimentos. Os mais fortes, foram apenas tombados de sua presença. E, os mais fracos, os menores, foram levados para outros lugares. E estes jamais compuseram novamente o ambiente daquela casa. E aquilo tudo era uma grande força desarticuladora da cadência regular que rege o cotidiano das vidas das pessoas felizes. Aquilo tudo era uma grande tempestade.